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"A CMP sempre dialogou connosco e sempre se mostrou interessada em resolver o problema", escreve Manuel Cruz sobre o STOP

  • Paulo Alexandre Neves

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Filipa Brito

Manuel Cruz, antigo vocalista dos Ornatos Violeta, decidiu escrever sobre o STOP. Conhecedor do centro comercial, desde 2002, antigo membro da associação de músicos, assume que "é importante, quando se pega num processo a decorrer, pelo menos tomar consciência do trabalho que foi feito". Hoje, "é inspirador ver tanta gente a reunir-se em prol desta causa, mas não chega. É preciso haver um horizonte claro. Existe quorum agora, milhares de pessoas se mobilizaram, e isso é ótimo e inspirador. Capitalize-se essa energia, mas que seja para encontrar uma solução, e não para queimar bruxas, porque se o inferno existir, de certeza teremos todos lá uma sala de ensaios".

O atual membro dos "Pluto" e que possui também um projeto a solo, designado "Foge Foge Bandido", começa por fazer uma resenha histórica, de envolvimento pessoal no STOP. "Conheço [o STOP] desde 2002, quando comecei a ensaiar em salas de amigos. Mas só em 2007 aluguei a minha primeira sala e aí construí o meu estúdio, já farto de ser expulso de salas de prédios de habitação e de ter de controlar as horas a que podia trabalhar. Dizia a um amigo que sempre me ajudou nas obras: A grande vantagem do STOP é que existe. Mas rapidamente aquele sítio se transformou para mim numa espécie de segunda casa".

"Ali partilhei som e amizade durante anos e percebi o que era fazer parte de um fenómeno sem par no contexto cultural do país. E foi por todo este tempo que ali passei que vim a aceitar, mais tarde, um cargo associativo. Em 2018, fui contactado pessoalmente pela Câmara Municipal do Porto (CMP). Manifestaram-me a sua dificuldade em estabelecer contacto com o condomínio do STOP, num momento em que o risco de fecho estava iminente. Nunca tendo aderido a contextos associativos, vi-me com uma responsabilidade no colo, e optei por informar o máximo de gente possível do contacto que recebi. A partir daí todo o processo interno começou", acrescenta.

Manuel Cruz dá, no seu texto, um salto no tempo, aquando da sua demissão da associação Alma Stop, em 2021. "Fi-lo por exaustão", confessa, revelando: "Optei, inicialmente, por me conter. Demasiada emoção podia afetar o objectivo que é muito maior do que aquilo que me afectou. Escrevi páginas e páginas e acabei a censurá-las. Não é sobre mim".

"Várias vezes perguntei a mim mesmo: o que é verdadeiramente importante? E a resposta, ao fim de noites sem dormir, foi: dizer o que puder ser útil. O que me veio à cabeça em primeiro lugar foi: informação. Nesta era em que a verdade parece não ter relevância ainda existem factos", sublinha Manuel Cruz.

Os factos

O músico garante, no texto, que o Município "sempre dialogou connosco" e sempre se mostrou interessado em resolver o problema. "Eu sei porque eu estava lá. A associação estava na reunião da câmara com os bombeiros, acerca da aprovação do projeto de segurança contra incêndio. E mesmo sabendo que o projeto teria de cumprir todos os trâmites legais, o representante da CMP não se poupou ao elogio do STOP perante o comandante dos bombeiros. Eu estive lá quando, juntamente com o administrador do condomínio do STOP, Ferreira da Silva, o empenhado engenheiro Pedro Dourado, com as plantas do edifício sobre a mesa da sala de condomínio, tentou perceber como havíamos de resolver o problema das saídas de emergência num local sem condições para tal. Deu trabalho mas arranjou-se solução. O projeto foi aprovado".

Em 2021 houve um aviso de fecho do STOP, com um prazo de resolução de 15 dias. Manuel Cruz revela que, juntamente com a arquiteta Sandra Rego, esta apressou-se a ir à Câmara para saber o que se passava. "O facto é que não existia projecto, aliás, era por aí que se deveria ter começado", escreve.

"A mesma arquiteta fê-lo em 15 dias, em directas sucessivas, de forma a que correspondesse aos mínimos para, pelo menos, prorrogar o prazo e assim se ganhar tempo, o que acabou por acontecer. Pouca gente soube disto, creio. Finalizou depois o projecto, meses a fio sem ganhar nada, a não ser o perdão das rendas enquanto o executava e um esgotamento nervoso. O projecto foi aprovado. É a meu ver importante, não só por respeito e gratidão em relação ao esforço feito, a atenção sobre algo que foi efectivamente conquistado e que é um ponto a partir do qual o trabalho pode ser continuado. Em Outubro de 2021, aquando da minha demissão e da do presidente da Mesa da Assembleia Geral, Gil Costa, ficou um projecto de segurança contra incêndio aprovado e um projecto de arquitectura aprovado", revela o músico.

Manuel Cruz cita uma reunião da associação com o presidente Rui Moreira e de "este nos falar da hipótese do silo-auto como alternativa à dificuldade que seria arranjar o dinheiro para reabilitar o STOP, e a associação explicar que essa solução poderia ser viável se não conseguíssemos o plano A - manter o STOP no STOP. E para essa hipótese, pareceu-nos inevitável recorrer a fundos comunitários, que, ao fim e ao cabo, é para projectos comunitários que eles existem. Por intermédio de um contacto familiar do músico e segundo secretário da associação António Serginho, decidimos reunir com o Carlos Martins que, já conhecendo o STOP, achou que o projecto tinha toda a viabilidade para vir a ser financiado por fundos europeus. Oferecendo-se para, a custo zero, nos ajudar a desenhar a candidatura".

"Os espaços têm história, têm memória. Manter o STOP no STOP parecia-me assim, não só pela morfologia arquitectónica como social e humana, algo que facilitaria a continuidade dessa vivência. Essa era a ideia, mudar só o que pode melhorar", acrescenta.

"De 2021 a esta parte não sei o que se fez com o projecto desenvolvido. Apenas soube que um auto-apelidado grupo de trabalho formado pelas pessoas que permaneceram na associação, tinha ido a uma reunião do executivo da CMP falar de como o processo teria sido mal conduzido até então. O que surpreendeu a CMP, que esperava que, apesar da minha saída, se desse continuidade ao processo. Fui mais tarde contactado pelo agora presidente da ALMA STOP, Bruno Costa, com quem senti o respeito e o bom senso necessários para uma conversa civilizada, e com quem falei sobre todo o processo anterior. Pode sempre haver ideias melhores, claro. Mas é importante quando se pega num processo a decorrer, pelo menos tomar consciência do trabalho que foi feito. Feito por pessoas que deram tudo para fazer o melhor que sabiam. Que não receberam nada a não ser o ânimo de fazer parte de algo bonito, de que se pudessem orgulhar. É inspirador ver tanta gente a reunir-se em prol desta causa, mas não chega. É preciso haver um horizonte claro. Existe quorum agora, milhares de pessoas se mobilizaram, e isso é ótimo e inspirador. Capitalize-se essa energia, mas que seja para encontrar uma solução, e não para queimar bruxas, porque se o inferno existir, de certeza teremos todos lá uma sala de ensaios", conclui Manuel Cruz.