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Conversas Sub 30: “O Porto é o sítio onde me sinto bem a fotografar”, reconhece Felícia Pinho Oliveira

  • Paulo Alexandre Neves

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Felícia Pinho Oliveira é licenciada em Ciências da Comunicação pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP). Tirou um mestrado em Comunicação Audiovisual, Fotografia e Cinema Documental, na Escola Superior de Media Artes e Design (ESMAD). Aos 23 anos expôs, pela primeira vez, os seus trabalhos no Arquivo Distrital do Porto. "Sem passado" mostrou a dura realidade dos bebés que eram entregues na Casa da Roda. É por aí que quer continuar. A vasculhar o passado, um "bichinho" incutido pelo seu pai. De resto, aproveita alguns momentos para conhecer melhor a cidade, quase sempre com uma máquina fotográfica por companhia.

Quando nasceu a tua paixão pela fotografia?
Na verdade é uma paixão que tem a mesma idade que a paixão pelos arquivos. Lembro-me de aos 16, 17 anos, fazer pesquisas genealógicas com o meu pai. Por essa altura fotograva muito. O meu tio emprestava-me uma câmara e objetivas. Entretanto, comprei a minha própria câmara, com a minha irmã, e fui continuando a fotografar. Comecei mais pela fotografia macro, pela natureza morta. Pesquisava revistas da especialidade, fotografava, editava. Criava composições com o que tinha há minha frente. E, depois, comecei a fotografar pessoas, paisagens.

Nunca houve uma segunda, terceira opção?
Nunca ponderei seguir fotografia no Ensino Superior e, na verdade, fiz uma licenciatura em Ciências da Comunicação [na Faculdade de Letras da Universidade do Porto]. Familiares e amigos aconselharam-me a seguir um curso que tivesse mais saídas, um bocadinho mais de futuro. Associam muito à precariedade, falta de ofertas de emprego. Na verdade isso reflete-se. Optei por seguir um curso que, supostamente, me desse mais saídas profissionais: Ciências da Comunicação. Era mais abrangente, mas, ao mesmo tempo, tinha essa ligação entre a escrita e a imagem, duas coisas que gostava bastante. Tinha até ponderado seguir um mestrado em Design e, depois, acabei por me decidir pela fotografia, que era, de facto, a área que gostava e na qual sabia que ia-me sentir bem. Segui para o mestrado em Comunicação Audiovisual, Fotografia e Cinema Documental, na Escola Superior de Media Artes e Design (ESMAD).

Lembraste das tuas primeiras fotografias?
Foi, sobretudo, quando comecei a fazer fotografia macro, com a objetiva do meu tio. Foi um grande impacto porque era olhar para o objeto e depois ver uma fotografia com muito detalhe. Lembro-me que fotografava muitos insetos. Eram fotografias que me agradavam. Foi uma forma de aumentar o interesse por esta área.

Aquilo que tento fazer é abrir janelas sobre o arquivo

O que procuras obter e transmitir nas fotografias que fazes?
É uma boa questão e complicada de responder. Hoje, aquilo que quero fazer e me imagino a fazer, nos próximos anos, é ter projetos mais autorais, em que combine a fotografia com o arquivo. Será possível, será rentável? Duvido, sobretudo em Portugal. Mas é isso que me interessa. Essa ligação de combinar a fotografia e o que ela tem com aquilo que está escondido nos arquivos. Foi isso que fiz com o projeto "Sem Passado". Pegar no arquivo da Casa da Roda do Porto, sobretudo sinais, fotografá-los, para fazer a minha interpretação, permitir outras leituras e que mais pessoas vissem. Aquilo que tento fazer é abrir janelas sobre o arquivo.

Como nasceu o projeto "Sem Passado", que esteve em exposição no Arquivo Distrital do Porto?
Já tinha ouvido falar nas Casas da Roda, no arquivo existente aqui [no Arquivo Distrital do Porto] e mais especificamente dos sinais. É uma realidade muito dura. Quando comecei a pensar num tema para o projeto final de mestrado achei que seria interessante fazê-lo, a partir deste arquivo.

Ficaste pelo registo ou procuraste a história por detrás de cada imagem?
Não consigo só fotografar e não criar qualquer empatia com os objetos. No caso dos sinais da Roda do Porto fotografei-os, mas antes de iniciar o processo de produção andei a pesquisar muito sobre a Casa da Roda, o seu funcionamento, a própria funcionalidade dos sinais. Caso contrário, iria encarar os objetos com uma indiferença absurda. Não ia ver a história que está por detrás, as provas de abandono, mas também de esperança que os objetos encerram. Por exemplo, descobrir bilhetes escritos com uma forte carga emotiva, que falam da esperança de vir a recuperar a criança que foi deixada na roda.

Não me sinto muito à vontade a fotografar pessoas

Porque escolheste o Arquivo Distrital do Porto para esta entrevista.
Senti-me sempre muito bem aqui. Muitas vezes estive cá, desde a hora de abertura até ao fecho. Por mim ficava aqui muito mais tempo. Adoro o cheiro da sala de depósitos, de livros antigos. Foi aqui que fiz a minha pesquisa e quase todos os registos fotográficos para a minha primeira exposição individual, que decorreu na sala de aquecimento dos monges [n.r: o Arquivo Distrital encontra-se instalado no antigo Mosteiro de São Bento da Vitória].

Que preferes? Natureza, locais, pessoas?
Admito que não me sinto muito à vontade a fotografar pessoas, em ambiente natural, de rua. Parece que estou a invadir o seu espaço, sem o seu consentimento verbal. Gosto muito de fotografar paisagens, monumentos, arquitetura, natureza morta.

Projetos para o futuro.
Quando acabei o mestrado foi interessante porque me apercebi que estava, pela primeira vez, desempregada. Aquilo que gostava de fazer era continuar este tipo de projetos autorais, em que posso trabalhar objetos e documentos históricos, através da fotografia e vídeo. Não sei se é uma opção viável no nosso país. Não deveria ser tudo comercial. Isso entristece-me. Gostava de continuar a fotografar as várias 'rodas' que existem no nosso país e, no estrangeiro, alguns campos de concentração.

Sinto uma conexação completamente diferente com o Porto

Andas pela cidade de máquina em punho?
Não gosto de andar com a câmara quando estou rodeada de pessoas. Parece que estou dividida. Saio de casa muitas vezes com o objetivo de fotografar. Aí estou sempre atenta e 100% focada na possibilidade de criar boas imagens.

O Porto é fotografável?
Sinto uma conexação completamente diferente com o Porto. Foi a cidade onde ganhei independência, para onde vim viver sozinha, que me deu acesso a mais cultura. É o sítio onde me sinto bem a fotografar. Os espaços, os monumentos. É tudo tão belo para fotografar e em dias de nevoeiro ainda mais.

Tens curiosidade em descobrir a cidade?
Gosto de caminhar pelas ruas. Tenho muitos sítios que ainda não conheço. Adoro passear e descobrir caminhos novos.

O que é o Porto para ti?
É uma pergunta difícil. O Porto é muito para mim. É o palco do percurso mais importante e marcante da minha vida dos últimos anos. Neste momento, é a minha casa, a minha biblioteca, o meu jardim, a minha sala de teatro, o meu ecrã de cinema. É a casa que me dá cultura, conforto e segurança. Que me permite pensar, idealizar projetos, dar azo há minha criatividade e espaço às minhas deambulações. O Porto foi a primeira casa da minha independência. Foi onde desbravei e conquistei a minha liberdade. Onde tive a minha primeira exposição fotográfica. Independentemente do meu percurso futuro, o Porto representará sempre a casa que me acolheu com oportunidades e liberdade.