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Conversas Sub 30: "O Porto é uma visão artística e diferente", sublinha a DJ Klin Klop

  • Paulo Alexandre Neves

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Andreia Merca

Inês Meira "transforma-se" em Klin Klop, inspirada em nomes africanos. As duas navegam entre produção musical, sound design e "dar música" à noite. Estudou Produção e Tecnologias da Música, na Escola Superior de Música e Artes do Espetáculo (ESMAE) no Porto, e confessa que a sua maior paixão é fazer música para filmes. As duas completam-se. "É interessante, apesar de uma ser mais pista de dança e outra até ser mais introspetiva e melódica", revela. Não troca a cidade, que denomina como "o poço" – "as pessoas quando vêm para aqui não conseguem sair daqui" – por nada.

Estou a entrevistar a Inês Meira ou a Klin Klop?
(sorrisos)… Boa pergunta. Neste momento está a falar com a Klin Klop.

De onde veio a ideia de criação de um alter-ego?
Voltando à Inês, fiz os estudos superiores, aqui no Porto, na Escola Superior de Música e Artes do Espetáculo (ESMAE), no curso de Produção e Tecnologias da Música. Depois de fazer alguns trabalhos de produção decidi apostar num projeto mais pessoal e artístico. Foi aí que surgiu a Klin Klop. Uma vertente mais pessoal, DJ, passar música, escrever música, mais ao meu gosto, em vez de ser para clientes, que é um paradigma um bocado diferente.

E porquê Klin Klop?
Comecei a ser convidada para tocar em festas e eventos. Na altura, estava em Moçambique. Os meus pais vivem lá há muitos anos e decidi fazer uma viagem sozinha. Já tinha ideia de criar um nome e pesquisar algumas influências africanas, porque as tenho. Então surgiu Klin, que significa som, e Klop, que significa batida em Afrikaans.

Inês Meira e Klin Klop são pessoas, projetos diferentes

Quando te apresentas o que dizes: sou dj, produtora musical, sound designer?
Neste momento, digo mais que sou produtora, compositora e designer. Se falarem diretamente sobre a Klin Klop, aí digo que sou DJ. Inês Meira e Klin Klop são, na verdade, pessoas, projetos diferentes. Uma coisa é escrever música para filmes e fazer sonoplastia, outra é ter um projeto pessoal, com o meu cunho, a dizer 'eu gosto, eu faço esta música'.

No dia-a-dia consegues separar as ações uma da outra?
Consigo, mas também depende do projeto que me é pedido. Por exemplo, se tocar no fim de semana, os dias anteriores têm de ser divididos entre as duas. Metade tenho de trabalhar para a Inês, outra metade para a Klin Klop (sorrisos).

Neste momento, em termos profissionais, qual é a tua maior paixão? Ou ela divide-se pelos diferentes projetos?
Divide-se muito. Às vezes é um bocado frustrante porque tenho de tomar opções. Vou sempre investindo nas duas ao mesmo tempo, mas há sempre timing diferentes uma da outra. Obviamente que a minha paixão é fazer música para filmes. É uma ciência complexa e difícil, muito exaustiva. Gosto disso. São muitos dias a deitar-me muito tarde e a acordar muito cedo. E quando os projetos acabam sente-se aquele vazio. Gosto desse sentimento porque depois já estou à procura de outro. É um comboio que não para. Esses projetos grandes fazem-me feliz. Já com a Klin Klop é uma coisa mais semanal. Toco bastantes vezes e tenho de estar, constantemente, em procura e pesquisa de músicas, o que, depois, acaba por sustentar o meu trabalho de Inês Meira como produtora. As duas completam-se. É interessante, apesar de uma ser mais pista de dança e outra até ser mais introspetiva e melódica. Dão sempre inputs uma à outra. Os dois projetos unem-se, complementam-se.

No início foi preciso afirmar-me e mostrar que estava ali

Quais os desafios que enfrentaste como DJ mulher para entrar e progredir numa indústria dominada por homens?
No início, foi difícil. Falava sobre o assunto porque a confirmação é sempre aquele passo que as pessoas necessitam antes de um julgamento. Sempre que olham para uma cabine e veem uma mulher, o pensamento é: 'ah, deixa-me ver o que ela vai fazer'. Se for um homem já é normal. No início foi preciso afirmar-me e mostrar que estava ali, consistente, que este era o meu trabalho. Quando comecei a editar música, aí as coisas mudaram, tornaram-se até mais fáceis do que estava à espera. O meu percurso musical faz a diferença. Como toda a minha vida só estudei música e só fiz isto consigo diferenciar-me de alguns homens pelo estilo musical e algum toque mais requintado. Não estou a dizer que é melhor ou pior. É diferente.

Já és mãe. Como consegues conciliar a maternidade com o trabalho exigente que tens?
(sorrisos) Ambos são muito exigentes. Estou muito surpreendida, muito feliz porque nunca pensei e nunca ninguém achou que iria conseguir conciliar as duas coisas. A verdade é essa. Ser mãe é um 'full time job'. Tira-nos muita capacidade intelectual, principalmente no início (novamente sorrisos)… Toquei até às 36 semanas de gravidez e foi a melhor coisa que fiz. Estava mesmo feliz, com uma energia power. Depois, a primeira vez que toquei após ela ter nascido foi horrível. Parecia que tinha parado há anos, que já não sabia tocar, aquela coisa de que já sou mãe, sou uma pessoa nova. O comboio começou a andar e, na verdade, é tudo perfeito. Estou muito feliz por conseguir conciliar as duas coisas. É uma força para muitas mulheres. Podem ser DJ e mães. Não é um bicho de sete cabeças. Tudo se faz, a logística é que é maior.

A tua vida é feita ao contrário, ou seja, trabalhas à noite e descansas de dia. Como concilias tudo?
Sou um bocado 'go in the flow'. As coisas acabam sempre por acontecer. Não sofro muito de privação de sono e também não consigo descansar muito durante o dia. Sempre adorei trabalhar à noite. Mesmo quando estou a trabalhar como Inês Meira, produtora, sou mãe durante o dia. À noite deito a minha filha e trabalho no computador até muito tarde, especialmente quando tenho um projeto grande. O mundo está silencioso, ninguém me liga ou chateia com aquelas pausas que temos um bocado estruturadas na nossa cabeça, estilo 'ai agora tenho que almoçar, ou lanchar…'. Não há esse tipo de pensamentos. Consigo ser muito mais produtiva. Acabo por conciliar tudo. Durante o dia estou focada na minha filha e à noite no trabalho.

[A cidade] Fica marcada e é muito difícil sair daqui

A noite é boa conselheira?
Muito boa conselheira. Sou muito mais noturna. De manhã não sou tão produtiva. Às vezes gostava de ser mais diária, mas sinto muito mais energia à noite.

Que conselhos dás aos jovens que desejem entrar na indústria da música eletrónica, como DJ, produtor(a)?
Não tenham medo de não saber o que fazer para o resto da vida. Temos muito aquelas ideias incutidas na sociedade que, aos 18 anos, temos de estudar, aos 20 saber o que tirar, aos 22 sair da faculdade e arranjar um trabalho, casar, ter filhos…. Muitos jovens vivem com muita pressão e depois escolhem cursos ou coisas que querem fazer à toa. Depois não gostam do que fazem e ficam frustrados para o resto da vida. É não ter medo de ainda não terem descoberto o que gostam de fazer. A segunda ideia é não desistir do talento. Por muito que achem que isso possa não dar. Se calhar dá, conciliado com outras coisas. Ser músico, artista é uma vida difícil, mas tudo se faz. É só preciso acreditar.

Tens tempo para passear pela cidade?
Claro que tenho. Agora, com a minha filha aproveito ainda mais para o fazer. Em Massarelos, onde moro, na zona do Museu do Carro Elétrico, Ponte da Arrábida, do rio. Também adoro a Avenida dos Aliados.

Este é, certamente, um lugar com que tu te identificas [n.r: a entrevista à DJ Klin Klop foi realizada no Central Club, na Avenida dos Aliados]?
Esta é a minha casa. Uma nova era em 2024. Abriu-se esta nova pista de dança [da responsabilidade da agência RDZ], com muito sucesso. Entro aqui e sinto que isto é meu. Tenho muito orgulho, uma honra, uma responsabilidade grande em fazer parte desta equipa.

O que é o Porto para ti?
É uma visão artística e diferente. Sinto que faz parte do meu caminho. Na verdade, até lhe chamo 'o poço', porque as pessoas quando vêm para aqui não conseguem sair daqui. Fica marcada e é muito difícil sair daqui. É perfeita, tem tudo.