Economia

Do marketing à mentoria, formações municipais são balão de oxigénio para comerciantes portuenses

  • Porto.

  • Notícia

    Notícia

Incentivar o comércio da cidade a ser cada vez mais qualificado, competitivo e próspero. É este o propósito dos cursos promovidos pelo Município do Porto, nos quais os formandos têm adquirido valências que os ajudam a dar gás às atividades económicas que lideram. Fernando, Alcinda e Elisabete garantem que, na sequência da participação, conseguiram dar um novo fôlego aos seus negócios, despertando vertentes que nem imaginavam expandir.

Quando em 1966 os pais da mulher de Fernando Cunha fundaram a loja Silva Cunha & Filhos – desde sempre especializada na venda de artigos para calçado, malas e estofos – não imaginavam que, décadas depois, o negócio familiar fosse transposto para um universo ainda desconhecido: o digital. Passados quase 60 anos, o rosto que dá continuidade à tradição das solas e cabedais decidiu dar um passo em frente e reinventar o modelo.

“Foi através das formações da Câmara do Porto que obtive conhecimentos para conseguir criar o site da nossa loja. Apesar de não ter venda online, pelo menos já temos algumas fotos e informações que ajudam os clientes a chegarem até nós”, nota Fernando Cunha que, desde a época da pandemia, já perdeu a conta às diferentes formações disponibilizadas pelo Município em que participou.

Sempre que existem formações ligadas à comunicação e às redes sociais, inscrevo-me

Com a casa a receber cada vez mais turistas, Fernando Cunha assume que a sobrevivência da loja, localizada na Rua de Cimo da Vila, assenta agora numa base de negócio com moldes distintos. Embora os visitantes “acabem por comprar produtos locais e com qualidade, como é o caso dos cintos e das carteiras em pele autêntica", o responsável pelo espaço explica que, por se ver mergulhado numa nova realidade, sente necessidade de adquirir novas ferramentas que lhe permitam comunicar com todo o tipo de clientes.

“Sempre que existem formações ligadas à comunicação e às redes sociais, inscrevo-me porque são temas que me ajudam a dinamizar o nosso negócio”, esclarece, ladeado pela mulher, que, de forma pontual, o apoia no atendimento.

Recentemente, Fernando Cunha marcou presença no curso de criação de conteúdos digitais – no qual aprendeu que “se deve direcionar os conteúdos dependendo das faixas etárias” –, marketing digital e cibersegurança. Antes também se tinha aventurado nas formações de inglês e francês “para aprender alguns termos mais técnicos” enraizados no seu universo, onde pairam as pomadas, colas, tintas, cordões, palmilhas, meias solas ou capas para calçado.

Apesar de se mostrar empenhado em redefinir a estratégia comercial, há um hábito antigo que Fernando Cunha faz questão de manter vivo. “Desde 1966 que, a cada São João, coloco um alho-porro no teto”, recorda.

nmc_reportagem_comerciantes_2024_05.jpg

A tradição, admite, “gera curiosidade entre quem passa” e faz com que alguns guias turísticos criem rotas “só para ver a exposição de alhos-porros”. Sobre algumas histórias criadas em torno do costume esclarece: “Alguns pensam que são ninhos de andorinha, outros até dizem que colocamos os alhos para afastar o cheiro das peles, mas são tudo mitos”.

Aprendi tantas coisas que resolvi fazer um workshop de alimentação saudável com outros comerciantes aqui da rua

A liderar um negócio mais distanciado do alvoroço do centro histórico da cidade, Alcinda Dias encontra outros desafios na gestão d’ A Cafezeira. A substituir a mãe nas rédeas da loja, que está nas mãos da família desde a década de 80 (altura em que deixou se de chamar “O Chinéz”), a herdeira do estabelecimento fundado há quase cem anos explica que o espaço sobrevive por ter clientes fiéis, mas revela que tem tido dificuldade em chegar a outros públicos.

“Mantemos a venda avulso, que já caiu muito em desuso. Hoje em dia as pessoas vão aos supermercados e compram tudo. Assim é difícil mostrar o melhor que fazemos aqui”, lamenta, enquanto organiza os produtos atrás de um balcão que já conta tantos anos quantos os do estabelecimento.

No espaço, situado na Rua de Costa Cabral, quem entra não fica indiferente ao cheiro a café, chás e especiarias que paira no ar. Para Alcinda, o poder olfativo presente n’ A Cafezeira é uma das mais-valias da loja e foi na formação de marketing sensorial que aprendeu a tirar partido disso.

“Escolhi esta formação por ter tudo a ver com a minha loja. Queria perceber como é que poderia levar a questão do aroma ao cliente. Porque uma imagem vale mais do que mil palavras, mas o cheiro também faz toda a diferença. O nosso público-alvo está idoso e preciso de chegar às pessoas de todas as formas”, relata.

Uma das estratégias que tem adotado para conseguir captar a atenção dos clientes passa por tentar trazer ao de cima “o lado emocional, que traz memórias de família”, como por exemplo, o cheiro do café acabado de moer. Alcinda explica que no curso aprendeu ainda a criar uma narrativa “no sentido de lembrar as pessoas desse aroma”, revelando que a estratégia tem sido sobretudo aplicada “nas redes sociais, porque é lá que estão as novas gerações”.

nmc_reportagem_comerciantes_2024_09.jpg

Além do curso de marketing sensorial, considera que a participação na formação de mentoria de negócios também tem “lhe permitiu pensar fora da caixa”. Por serem presenciais, estas aulas deram-lhe a possibilidade de conhecer outros colegas que “estão no mesmo barco”, com quem mantém contacto permanente.

“Sinto que ganhamos laços. Aprendi tantas coisas que resolvi fazer um workshop de alimentação saudável com outros comerciantes aqui da rua. Não podemos estar enfiados no nosso buraco, temos de partilhar”, constata.

Inspirada pelo ambiente de partilha que se criou na sequência do curso de mentoria de negócios, também Elisabete Cardoso já tem planos para colocar em prática as aprendizagens absorvidas. Tendo como referência o programa municipal “Comércio Fora do Sítio”, a gerente da loja Abs Eletrodomésticos TV Lar, situada na Rua de Santo Ildefonso, vai juntar-se a outros comerciantes para ceder e receber produtos de áreas de atividade diferentes.

“É uma forma de não ficarmos parados”, realça Elisabete Cardoso, que trabalha no estabelecimento – um dos poucos do ramo que ainda sobrevive na Baixa da cidade – há 28 anos. Por estar ciente que, cada vez mais, as pessoas procuram “grandes superfícies” para comprarem eletrodomésticos, a responsável considera importante captar novas valências para dinamizar o negócio.

Sinto que saio sempre a ganhar

“Sempre que há formações da Câmara tento participar. Já fiz cursos de excel, cibersegurança, marketing digital e inglês”, enumerou, acrescentando que já chegou a repetir formações por considerar “que aprende sempre mais” de cada vez que se inscreve. “Sinto que saio sempre a ganhar”, assegura Elisabete, que já é uma veterana na participação em iniciativas municipais, como é o caso do concurso “Montras de Natal”, no qual já se envolveu.

Questionada sobre o curso do qual retirou mais frutos respondeu prontamente: “mentoria de negócios”, uma vez que “a formadora deu muitas ferramentas que nos dão autonomia para fazer coisas diferentes sem que estejamos à espera que seja a nossa entidade patronal a mandar”.

O segredo do negócio, além do dinamismo e proatividade, depende também, esclarece Elisabete, de um método de trabalho que distingue o estabelecimento de todos os outros do mesmo segmento.

“No fundo, passa por ter uma grande proximidade com o cliente. Fazemos as demonstrações, às vezes vamos mais do que uma vez aos sítios e trazemos os equipamentos usados. Acho que são estes pequenos cuidados que nos diferenciam e agarram os clientes”, desvenda, notando que, devido à centralidade do estabelecimento que representa, também consegue tirar proveito do turismo que reina na cidade.

nmc_reportagem_comerciantes_2024_13.jpg

“Esquecem-se muitas vezes das escovas de dentes elétricas e depois vêm aqui comprar”, conta divertida, detalhando que recebe muitos visitantes que procuram máquinas de cafés italianas – um dos produtos que mais salta à vista assim que se entra na loja.

Mais formações até ao final do ano

Com vista a contribuir para a capacitação contínua dos agentes económicos, priorizando a excelência nos diferentes âmbitos da cidade, a autarquia organizou, no primeiro semestre deste ano, 11 formações para comércio / serviços, tendo sido atingidos 91,67% dos objetivos do plano estabelecido.

De acordo com os inquéritos de satisfação disponibilizados pela Divisão Municipal do Comércio, 89% dos participantes disseram ter ficado muito satisfeitos com as ações, mostrando-se interessados em ingressar em outros cursos.

Até ao final do ano, estão previstas mais oito formações gratuitas, mediante inscrição prévia: comunicação e publicidade online para o comércio local; programas de incentivos, financiamentos e apoios comunitários; inglês comercial - nível I; criação de site para pequenas empresas; cibersegurança: ameaças, riscos e vulnerabilidades da segurança informática; transforme o seu negócio com Inteligência Artificial; vitrinismo: decoração de montras para atrair clientes; vendas online.

Todos os cursos disponibilizados são programados a partir das necessidades identificadas pelos comerciantes e são ministrados por formadores com experiência técnica e pedagógica nas áreas em questão.