Sociedade

Histórias da Cidade: um tesouro escondido debaixo do solo

  • Paulo Alexandre Neves

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O atual percurso museológico da Ordem de São Francisco – que integra a igreja do antigo convento, a Igreja dos Terceiros de São Francisco e a Casa do Despacho – inclui um outro tesouro: o Cemitério Catacumbal. É o que gere, atualmente, mais curiosidade entre os visitantes porque se esconde debaixo do solo.

Analdina Rocha fala com paixão de um espaço que foi sendo ampliado por fases. Para a diretora técnica do Museu da Ordem de São Francisco, que ali trabalha há 25 anos, "o Cemitério Catacumbal é único no país. As pessoas adoram este sítio".

Em 1746, a Mesa da Venerável Ordem Terceira de São Francisco decidiu, após um incêndio que destruiu, por completo, um albergue para irmãos pobres ali existente, "fazer uma obra útil e necessária para esta nossa Ordem, a saber: um cemitério e por cima deste cemitério uma casa para Despacho e Secretaria". Os 12 primeiros túmulos eram destinados à mesa administrativa.

Assim nasce a primeira fase do Cemitério Catacumbal, para dar sepultura apenas e só aos irmãos falecidos. Túmulos no chão, sobrepostos pelas paredes e em pequenos cofres-urna (os jazigos laterais são posteriores e a sua construção deveu-se à falta de espaço), com um altar para celebração dos rituais fúnebres.

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Em 1795, quando a atual Igreja dos Terceiros de São Francisco já estava em construção, a Ordem decide, novamente, construir um outro cemitério sob o pavimento da igreja. Em 1802 nasce a terceira fase, com o vazamento sob o pavimento da capela de Santo António, ligando o novo ao antigo cemitério.

O último enterro faz-se em 1866, passando a Ordem, a partir de então, a utilizar o seu talhão privativo no cemitério de Agramonte. Não há registos de quantos corpos estão depositados no Cemitério Catacumbal. "Nunca me dei ao trabalho de os contar", confessa a diretora do museu. Hoje, o sítio, que faz parte do percurso museológico da Ordem de São Francisco, é visitado "por cerca de 1500 pessoas por dia", acrescenta.

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Histórias curiosas não faltam no percurso profissional de Analdina Rocha. "Os brasileiros são muito engraçados. Para descer têm muita dificuldade, é baixo astral, mas, depois, ficam muito contentes, porque, às vezes, descobrem os seus apelidos", conta, adiantando que “franceses, espanhóis, mexicanos, que encaram, de forma mais natural, a morte, por questões religiosas, têm muita curiosidade pelo cemitério". O músico Pedro Abrunhosa é também um assíduo visitante.

Entretanto, a diretora do museu vai partilhando mais curiosidades, como a dos jazigos que receberam vítimas do desastre da Ponte das Barcas, em 1809, aquando das invasões francesas, algumas peças expostas, como velhas caixas de esmolas em géneros (uma destinava-se à recolha de "azeite para Nossa Senhora da Conceição") ou os andores que eram usados nas procissões da quarta-feira de cinzas. "As pessoas não vão, daqui, desagradadas de todo", garante Analdina Rocha.