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Inclusão. Ato ou efeito de acrescentar valor pela diferença

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“Não me lembro de ser normal”. As palavras de Adolfo Ribas são exatamente estas e são ditas, sobre si mesmo, sem qualquer tom de condescendência. O trabalho que apresenta, há largos anos, no Município do Porto poderá ser visto como prova do contrário. É a certeza de que ter paralisia cerebral não é motivo de exclusão. Nesta, como em várias dimensões – físicas, intelectuais, religiosas, culturais, étnicas ou de origem – nas diferentes normalidades de que são feitas as vidas dos trabalhadores municipais, o normal é incluir todos e integrar cada um.

Adolfo chega ao edifício onde funciona a Direção Municipal de Educação (DME) e não param de aparecer colegas para o cumprimentar. Queixam-se de que passa demasiado tempo fora. Ao mesmo tempo uma verdade e uma brincadeira. É ele que nos explica que “antes da pandemia vinha trabalhar todo contente”, não havia mau tempo ou dificuldade de movimento que lhe tirasse a alegria de fazer o que sempre quis: um emprego na área da informática.

Depois de uma passagem pela Porto Digital, é hoje responsável pela inserção de dados na DME, ou, como o próprio diz, “ajudo quem me ajuda. É uma forma de me sentir útil”. Talvez seja mais que isso ou não fizesse parte de uma equipa onde não hesita em garantir que “me sinto perfeitamente integrado”, mesmo que agora exerça funções em teletrabalho.

Posso dizer que tenho aqui pessoas para a vida toda. Acho que não é preciso dizer mais nada, pois não?”

Fora do normal na atividade que exerce, apenas uma adaptação que lhe foi feita para o teclado, “uma espécie de caixa, com um buraco em cima de cada letra para poder ter a mão apoiada, senão eu carregava nas teclas erradas”. Em tudo o resto, um como os outros.

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“Se há coisa de que tenho saudade é de estar com a minha equipa que, sempre que cá venho, me faz sentir qualquer coisa que não sei explicar”, admite Adolfo, referindo que “em casa faltam-me as piadas”.

Aos 52 anos e com “a condição cada vez pior”, sabe que tem “a equipa do outro lado a apoiar-me”, mas assegura que “enquanto tiver capacidade e a Câmara me autorizar, eu venho sempre aqui”.

“Posso dizer que tenho aqui pessoas para a vida toda. Acho que não é preciso dizer mais nada, pois não?”.

Tudo aqui melhorou muito com a reabilitação urbana”

Com sentimento idêntico, “inclusão” é, também, uma certeza no caminho de José António Costa. “Pivot” de informática no Arquivo Geral, é a pessoa que serve de “intermediário com a Direção Municipal de Sistemas de Informação” e quem “trata de atualizações seja de software ou hardware”.

São dezenas de computadores para gerir. “Têm um problema, chamam o António”. Mas “esperam sentados que eu também ando sentado”. Uma forma leve de lidar com a atrofia espinal progressiva, de nível dois, uma doença neuromuscular diagnosticada aos dois anos.

“É altamente incapacitante, mas tive sempre uma vida perfeitamente normal”, garante o técnico de informática, referindo estratégias para se adaptar à vida dos outros, “e eles à minha”. A trabalhar, em regime híbrido, no edifício que alberga o Gabinete do Munícipe, na Avenida dos Aliados, foi a sua condição que potenciou a reabilitação do espaço público para que ali se instalasse uma rampa de acesso.

“Tudo aqui melhorou muito com a reabilitação urbana”, reconhece, uma vez que, há 20 anos, quando começou a colaborar com a Câmara do Porto, a própria autarquia “não estava tão preparada como agora”. Existia uma casa de banho adaptada, mas pouco mais.

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Também a doença de António continua a evoluir e, com ela, a adaptação necessária para que nunca falhe a inclusão: o trabalho em jornada contínua devido às sessões de fisioterapia ou rampas de acesso “às catacumbas” do arquivo nos Paços do Concelho – “foi surreal ver os depósitos que vão até à estátua do Garrett” – assim como uma secretária com recorte para o comando da cadeira de rodas elétrica encaixar – “os colegas brincam a dizer que sou o único que tem sempre estacionamento” – e uma trackball em lugar do rato do computador. “Essa mobilidade, essa facilidade foi-me sempre dada pela Câmara”, sublinha.

E acrescenta situações, “sensibilidades”, como as consultas na Medicina do Trabalho, onde “o elevador do edifício é demasiado estreito para a minha cadeira, então é o médico que vem cá”, ou o momento quando “subi na carreira de técnico de informática, não pude ir à sessão e a direção fez questão de vir cá para assinar o contrato”.

E a discriminação positiva, existe? António sente “que há mais cuidado”, mas nenhum favorecimento, “ao nível de chefias ou mesmo nos concursos”. “Não estou aqui por estar numa cadeira de rodas, sei que estou aqui pelo que valho e quando sentir que estou a ficar para trás, eu próprio avanço para encontrar solução”, afirma.

[Quero] passar para os outros o conforto que recebi quando cheguei à Câmara do Porto”

No Município, o verbo “integrar” conjuga-se, também, noutras línguas e independentemente do país de origem. É em Português com pronúncia ucraniana que Yaroslava Pomirkovana garante querer “passar para os outros o conforto que recebi quando cheguei à Câmara do Porto”, já se contam 16 anos. “Nunca me senti uma estrangeira”, reforça.

Escolheu a autarquia para a tese de mestrado sobre contabilidade pública e entrou pela Divisão Municipal de Tesouraria, onde lhe “deram uma experiência que desejo a todos naquela idade”. Ajudava serem números e não letras, uma vez que o Português é aquilo que, desde a primeira hora, Yaroslava apelida de “a língua das gaivotas”, pela dificuldade de compreensão para um estrangeiro.

“Foi um processo de integração simples, mas a Língua Portuguesa sempre foi um obstáculo. Vocês não simplificam”, atira. E conta como, ainda hoje, “troco o feminino com o masculino, não escrevo “as” ou “os” e, às vezes, na construção de frases, troco o fim com o início”.

“Diziam-me logo que até podia fazer sentido, mas não é Português de Portugal. E quando dizia uma palavra errada, brincávamos a dizer que íamos escrever um livro com elas”, conta a ucraniano-portuguesa, confortável com as atitudes dos colegas, que acabam “sempre por me explicar as coisas com respeito, com dignidade”.

Vocês são muito afetivos, dão mais abraços e beijinhos. Isso, para mim, é estranho”

Tema incontornável: o conflito na Ucrânia. “As pessoas mais próximas foram muito atenciosas, senti uma disponibilidade muito grande porque sentiram a causa”, admite Yaroslava, referindo que a ajuda chegou ao ponto de lhe oferecerem apoio para “trazer algum familiar para cá”.

Ela própria com “família na frente de batalha”, “quando soube da campanha que o Município estava a organizar, escrevi uma carta ao presidente a oferecer os meus conhecimentos da língua ucraniana”, o que acabou por se revelar necessário.

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Reconhecendo as diferenças culturais e religiosas – “na Ucrânia, no Natal, tens de ter 18 pratos, enquanto aqui é só o bacalhau”, por isso não faltam jantares para dar a provar a gastronomia tradicional ucraniana – para Yaroslava a principal questão são…"os beijinhos”.

“Vocês são muito afetivos, dão mais abraços e beijinhos. Isso, para mim, é estranho. Se for excecional, de vez em quando, tudo bem. Agora, todos os dias? Nós temos sangue soviético a correr nas nossas veias”, afirma, não sem acrescentar que, depois de explicada a questão aos colegas, “todos compreenderam” e não a olham como pouco simpática.

Neste momento, é gestora de fontes de financiamento e faz questão de assumir “eu própria a inclusão das pessoas que chegam ao departamento. Passo para os outros o que passaram para mim”. Porque a inclusão é missão de todos, no dia-a-dia, um “caminho já muito grande” percorrido pelo Município, em várias vertentes.

E são de Yaroslava, com ou sem pronúncia de leste, as palavras de todos: “A cultura de cada um, o lugar onde nascemos ou as condições que temos não trazem desigualdades aqui. A igualdade é muito importante na Câmara do Porto, que dá oportunidades iguais a todos os funcionários. E isso, para mim, é uma forma de inclusão”. De acrescentar valor. Às pessoas e ao serviço feito pela cidade.