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Rui Moreira: “o PRR vai ser mais um complexo de Mafra, obras megalómanas para tapar o buraco do Estado”

  • Paulo Alexandre Neves

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O presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, participou ontem, na Casa da Música, no “Encontro fora da Caixa”. Em debate o futuro do país. À bolina de duas velas – a Norte (ou melhor, Noroeste Peninsular) insuflada pela inovação, arrojo, risco e trabalho e a Sul, sobretudo pelos serviços –, e à conversa com Pedro Abrunhosa, o autarca fez, em pouco mais de meia hora, uma radiografia do “país dual”, criticando aquilo que considera ser "o país de monocultura".

Rui Moreira participou no “Encontro fora da Caixa”, promovido pelo banco estatal, sob o tema “Que futuro para Portugal?”. Mas mais do que o futuro foi o presente que esteve em análise. A “viagem” focalizou-se nos aspetos atuais, como por exemplo no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). E aqui, Rui Moreira foi taxativo: “[O PRR] Vai ser mais um complexo de Mafra: obras megalómanas para tapar o buraco do Estado”.

“A lógica das decisões estratégicas não obedece ao país dual, mas monocórdio, acabando por privilegiar os serviços”, sublinhou o presidente da Câmara do Porto, para quem “temos um Estado extraordinariamente burocrático e ineficiente. É preciso uma grande agilidade.”

“Andamos a dizer que é a última oportunidade, provavelmente, desde o tempo de Vasco da Gama. Já vivi três últimas oportunidades, mas mais uma vez não estamos a conseguir dar a volta aquilo que é o nosso atraso ancestral” acrescentou.

“Vale a pena ler Saramago”

Ainda a propósito da questão em torno das verbas do PRR, Rui Moreira deixou um conselho aos participantes: “Vale a pena ler José Saramago e compreender a ‘Jangada de Pedra’. Perceber porque saímos daqui, à procura daquilo que não tínhamos. Agora era tempo de tentar produzir aquilo que precisamos”.

Na perspetiva do autarca, “a cultura é um elemento fundamental. Desenvolve a afirmação de uma imagem, autoconfiança e cria a formação dos cidadãos do futuro. José Saramago vale muito mais que a marca ‘Portugal’”, recordando que a Câmara do Porto investe 8% do orçamento na Cultura.

Rui Moreira não deixou também de abordar os atuais problemas com que se depara o Noroeste Peninsular. “O país não pode viver de monocultura. É bom haver duas macrorregiões, mas é pena que o resto do país esteja abandonado e desertificado”, disse, deixando uma má notícia: “Para sermos um país de serviços temos muito que andar: não temos localização central, falta formação humana e temos um Estado extremamente burocrático e ineficiente”.

“Sem a finança e a banca, as decisões políticas tomadas a favor do Terreiro do Paço prejudicam o Noroeste Peninsular. Deveríamos ter um maior peso político”, sublinhou.

O futuro da “Europa das cidades”

Sobre a atualidade, primeiro foi a pandemia e, agora, a guerra. Neste contexto, para onde caminha a Europa? Rui Moreira deixa o seu pensamento: “Há dois escrevi um artigo [no Expresso] que previa uma forte disrupção das cadeias de produção e que, provavelmente, a pandemia iria levar-nos a ter de reconstruir as cadeias de valor. A Europa acordou sobressaltada porque não havia nada. A pandemia, e agora a guerra, veio demonstrar a necessidade de reconstruir essa cadeia. Não podemos acreditar num modelo neocolonialista. Basta verificar que, com a pandemia, a distância voltou a ser um fator de divisão”.

“Nunca como hoje, desde o tempo de Winston Churchill, se percebeu tão bem a razão de ser da Europa. Talvez o futuro seja uma Europa das cidades, que vá substituindo as competências inúteis que estão nos estados centrais”, reforçou o presidente da Câmara do Porto.

Neste contexto, Rui Moreira, que elogiou a ação dos autarcas ucranianos, deixou um desejo para o futuro: “Esta é uma oportunidade para mudar porque estamos confrontados com quase todos os cavaleiros do apocalipse (doença, guerra e alterações climáticas). Não quero que os meus bisnetos tenham que ir viver para Marte. O Porto é bem mais simpático”.