Cultura

“À Boca do Poço”, um desenho e todas as cores para Eugénio

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Às vezes, até a morte pode ser
condescendente: à boca do poço
pára o cavalo, não chega a desmontar,
mas consente que te demores
a contemplar as águas negras,
o rebanho dos chocalhos distantes,
as macieiras perto,
os seus frutos estranhamente acesos.

Um poema, uma admiração, um desenho e todas as cores. Susa Monteiro assina a intervenção mural que, durante a Feira do Livro do Porto, será mais uma de tantas homenagens a Eugénio de Andrade. Para admirar, na Concha Acústica dos Jardins do Palácio de Cristal, a partir de sexta-feira, se o fôlego o permitir.

O mundo de Susa tem sido desenhado, essencialmente, pelo traço da ilustração e, assim, com as cores sempre presentes da literatura e da poesia. Por isso, e “embora nunca tivesse feito um trabalho destas dimensões ou com estas caraterísticas”, não houve hesitação quando lhe lançaram o desafio de criar uma pintura inspirada no poema de Eugénio, “À Boca do Poço”.

Por isso e pela admiração pelas palavras do autor que é, este ano, o centro de toda a programação da Feira do Livro. “Não só o gosto que tenho pelo obra dele como poder, neste contexto da Feira do Livro, que é uma das minhas paixões, a leitura, mostrar uma interpretação de um poema que eu não conhecia, mas que achei bonito”, explica, antes de voltar a pegar no pincel e dar as últimas cores ao mural onde intervém desde há vários dias.

Preferindo deixar a história da obra “para cada um, depois de ler o poema”, Susa admite ter tentado dar forma a “uma paisagem que não se identificasse com nenhuma parte em especial do país e a personagens que fossem um pouco estranhos porque não é necessário fazer o que é o mais óbvio”.

Os poemas dele são quase físicos. Falta-nos o fôlego para acabar a estrofe”

A sua vontade foi “trazer cores para aqui, embora seja um poema até bastante triste”. Para a artista, “a cor não precisa, obrigatoriamente, de representar a alegria ou felicidade, pode representar, de certa forma, só a estranheza do confronto”.

O importante, aqui e sempre, é a sinceridade. “Tento ser sempre sincera em relação ao que me apetece fazer, mais do que seguir alguma linguagem que esteja na moda”, garante Susa, admitendo não ser “uma artista concetual” e tentar apresentar “uma arte despretensiosa”.

“Ao sermos sinceros, encontramos sempre público para o nosso trabalho”, diz, falando tanto de si como do poeta.

E se pudesse desenhar para Eugénio, o que seria? Campos e searas. Mas também a guerra e o sofrimento. “Os poemas dele são quase físicos. Falta-nos o fôlego para acabar a estrofe. É uma das coisas que acho mais emocionantes”, confessa Susa Monteiro.