Sociedade

Cheira a recomeço, ao conforto dos livros e à vontade de encher páginas em branco na "nova" Poetria

  • Porto.

  • Notícia

    Notícia

Edgar Alan Poe, Adília Lopes, Jorge de Sena, Fernando Pessoa, Bocage ou Vasco Graça Moura. Estão estes e outros nomes da mais jovem poesia portuguesa, prontos para novos versos. Estão todos uns exatos 100 metros mais abaixo daquela que, até hoje, era a casa da Poetria. Encerrado o capítulo nas Galerias Lumière, cheira a recomeço, ao conforto dos livros e à vontade de encher páginas em branco no novo espaço cedido pela Câmara do Porto.

“A poesia tem de intervir no seu tempo”, escreve-se numa gazeta literária exposta nas novas estantes da Poetria, no número 115 da Rua Sá Noronha. É, pelo menos, a terceira vez que o faz na história de quase duas décadas da única livraria do país dedicada à poesia e ao teatro. Há quatro anos, Francisco Reis e Nuno Pereira não deixaram cair o sonho de Dina Ferreira, a primeira proprietária da Poetria, que admitia que o cansaço a levaria a encerrar o espaço.

“Enquanto clientes assíduos, não podíamos deixar que isso acontecesse”, explica Francisco Reis, acrescentando que “no dia a seguir estávamos a falar com ela para finalizar acertos sobre o que iria acontecer à livraria de futuro”.

Agora foi a vez de o Município intervir. “A Poetria é uma livraria única na cidade do Porto, com uma enorme ligação ao meio cultural, com uma história” reforça Rui Moreira, em visita ao novo espaço, ao final da manhã desta sexta-feira, explicando que “quando vieram falar connosco e nos deram conta do problema que tinham [a obrigatoriedade de sair das Galerias Lumière], eu disse-lhes logo que podiam contar com o apoio do Município”.

A cedência deste espaço, em condições especiais, foi uma decisão unânime do Executivo, que fez questão de marcar presença na reabertura da livraria. “Estamos a falar do comércio tradicional, da alma da cidade, da cultura”, sublinha Rui Moreira, com a firmeza de que “quando assim é, acho que estamos a cumprir a nossa missão”.

“É razoável que um privado que tivesse esta loja quisesse obter aqui a maior renda possível. No caso do Município, como é evidente, tem que se ponderar vários fatores, e esse fator é o menos importante neste caso”, afirma o presidente da Câmara, relevando a importância de manter a Poetria num espaço muito próximo ao anterior, e, ainda assim, “muito maior e mais tranquilo”.

Poesia para o tempo de respirar

“São 100 metros abaixo, mas continua a ser a nossa rua - a oliveira está já aqui - e isso para nós foi o mais importante”, concorda Francisco Reis, partilhando a vontade de “continuar a desenvolver o nosso projeto cultural em prol desta cidade”.

É que, além de um espaço de venda de livros, a Poetria tem também um editora, a Fresca, que lança os poemas dos novos escritores da cidade. Já vão em 17 edições e, este ano, o Porto pode contar com mais “quatro estreias absolutas”, sempre com capas desenhadas por artistas plásticos do Porto.

“Bons poetas, bons escritores, jovens. Tem sido para nós muito satisfatório perceber que, cada vez mais, os jovens se interessam pela leitura, e não por uma leitura obrigatória, forçada. Estamos a falar de leitura por prazer”, revela o proprietário da Poetria, assumindo que “este tem sido o nosso foco: tentar trazer mais jovens para a poesia, para a leitura, quer leitores, quer escritores”.

Já a sentir-se em casa, uma casa de dois andares, com lugar para apresentação de livros ou “para simples leituras”, a livraria tem mais páginas para escrever: uma edição de autores da cidade com seis peças de teatro completamente novas, um livro de poemas escritos por alunos e ainda um guia literário, aos sábados, para “mostrar às pessoas onde escreviam, onde moravam, onde aconteceram coisas importantes de vários autores aqui da cidade”.

Depois da paragem – pela covid e pela mudança de instalações – a Poetria está cá para trazer o que nos falta: “o tempo de respirar, de assimilar as palavras, de as pensar, e de sermos novamente mais calmos, mais ponderados nas nossas escolhas, nas nossas leituras, na nossa vida”. “Cremos que a poesia pode preencher, de facto, estas lacunas, estas perguntas que não têm resposta”, afirma Francisco Reis.

Há cerca de uma década, a então proprietária da Poetria lançava a campanha “Abraça-me que estou a morrer”, que viria a juntar largas dezenas de pessoas na missão de reerguer a livraria. Em 2022, a mensagem é para que se abrace novamente a Poetria, que está a renascer.