Sociedade

Conversas Sub30: "Espero fazer a melhor prestação possível nos Jogos Olímpicos", garante a kitesurfista Mafalda Pires de Lima

  • Paulo Alexandre Neves

  • Notícia

    Notícia

De partida para Paris, mais propriamente para Marselha, cidade onde vão decorrer as regatas dos Jogos Olímpicos de verão, Mafalda Pires de Lima admite que "isto é só o início". Há três anos abraçou o profissionalismo como kitesurfista, mas o mar sempre esteve presente na sua vida, por tradição familiar. Nascida em 1998 integra o Programa de Patrocínio a Atletas de Alto Rendimento e de Elevado Potencial Desportivo do Município do Porto. Por isso, leva sempre a cidade consigo para todas as provas, como atesta o logo do Porto. na sua prancha.

O que é que o mar te dá que outros desportos não dão para teres sempre escolhido esta vertente desportiva?
Há uma grande tradição e ligação da minha família ao mar. Na mais alargada e estendida, todos são velejadores. Atualmente, em casa somos todos kitesurfistas. Por isso, o mar sempre nos uniu. Todos os fins de semana, desde pequena, e que me lembre, estamos sempre no mar. Foi fundamental para que continuasse na modalidade.

No entanto, começaste na vela.
Sim. Comecei a praticar vela, aos dez anos, no Clube de Vela Atlântico (em Leça da Palmeira). Só mais tarde é que fiz a transição para o kitesurf profissional.

Mas essa transição foi ponderada ou porque a vela já não te motivava?
O kitesurf foi introduzido como uma das disciplinas da vela, em 2021. Para este novo ciclo olímpico, de 2024, houve esta mudança, com a introdução da disciplina nos Jogos, e achei que faria todo o sentido fazer a transição.

gco_mafalda_pires_kitesurf_2024_05.jpg

Imagino que os teus verões sejam sempre no mar, não a gozar dos prazeres do sol e das águas, mas a praticar desporto?
Desde muito pequenina que fazíamos férias num veleiro de família. Dormíamos no barco. Fazíamos umas férias divertidíssimas. Quando não estávamos lá havia a praia onde, todos juntos, fazíamos kitesurf.

Para os leigos na matéria como defines o kitesurf?
Temos uma vela, que está agarrada ao velejador por um arnês [espécie de cinto de segurança]. Tem umas linhas, com cerca de 15 metros, e uma prancha debaixo dos pés, com hidrofoil, que faz com que estejamos sempre a “voar”. Podemos atingir 70/75 quilómetros/hora durante as regatas.

Desde pequena, e que me lembre, estamos sempre no mar

Já atingiste o topo com a qualificação olímpica ou queres ir mais longe?
Isto é só o início. É a primeira qualificação olímpica e ambiciono, daqui a quatro anos, fazer uma boa evolução, ter, eventualmente, melhores resultados e lutar pelos lugares de topo. Conseguir estar entre as dez melhores do mundo. Até lá é um caminho bastante longo, mas é a minha ambição.

Estás de partida para Paris, onde vão decorrer os Jogos Olímpicos [de 26 de julho a 11 de agosto]. Que expetativas levas contigo?
Espero fazer a melhor prestação possível. Sou a velejadora com menos experiência, que se qualificou para os Jogos Olímpicos. Comecei, apenas, há três anos. As minhas concorrentes já levam muitos anos de kitesurf. Por si só, para mim, isto já é uma conquista. Espero fazer boas regatas, lutar com elas e ver no que isso dá.

É possível lutar por medalhas?
(sorrisos) Não sei. Por enquanto parece irrealista, mas quatro anos é bastante tempo. Isto não é uma questão de sorte. Há muito trabalho de casa e quem tem mais experiência e técnica é consistente nos lugares da frente. O sítio das regatas [vão decorrer na cidade de Marselha] é bastante difícil. Claro que podem acontecer imprevistos, haver a sorte, mais ligada à meteorologia. Os ventos, as águas são inconstantes. Até me pode favorecer, já que não sou tão experiente e conseguir andar mais à frente numa ou outra regata.

DR_mafalda_pires_kitesurf_2024_06.jpg

Para além da técnica é importante a parte mental?
Muito importante porque é um desporto de alto risco. Atingimos grandes velocidades. Estamos bastante protegidas, mas, tal como na Fórmula Um, pode haver um acidente e as coisas correrem bastante mal. Temos de desligar um bocado o cérebro e andar rápido porque senão os resultados não aparecem.

O profissionalismo foi uma aposta ganha?
Muita persistência, muitas incertezas, mas pouco a pouco fui conquistando melhores apoios, patrocínios. Nunca desistir foi essencial para chegar até aqui.

Temos de desligar um bocado o cérebro e andar rápido

Voltemos à tua infância e às recordações da cidade...
Estudei na Escola Secundária Garcia de Orta. Tinha a facilidade de viver em frente à escola. Uma infância e juventude supertranquila. Fruto desta paixão pelo mar costumo dizer, em tom de brincadeira, que dois quilómetros para dentro e pouco conheço da cidade (sorrisos).

Até que ponto esta paixão te prejudicou, ou não, nos estudos?
Conclui a licenciatura em Lisboa. Houve momentos em que tive de optar mais pela vela e outros pelos estudos, mas consegui. Também nessa altura, maior parte dos treinos da equipa nacional estavam sediados em Lisboa e fazia todo o sentido concluir aí os meus estudos.

Quantas horas dedicas ao kitesurf?
Estamos no mar cerca de três horas por dia, mas, depois, há todo um trabalho extra em terra. Acaba por ser um trabalho normal, das nove às 17 horas. Tenho de ir ao ginásio, cuidar do material, que requer bastante manutenção.

Não há momentos de lazer?
Depois das 17 às nove horas não tenho liberdade de fazer tudo o que quero. Na verdade, também não quero. Não tenho hábito de sair com os meus amigos, beber uns copos, ir jantar fora. Não me identifico com esse estilo. Preciso de descansar bem para ter um bom rendimento desportivo.

gco_mafalda_pires_kitesurf_2024_01.jpg

És uma das atletas que faz parte do Programa de Patrocínio a Atletas de Alto Rendimento e de Elevado Potencial Desportivo. Que importância tem este apoio municipal no teu dia-a-dia?
É muito importante porque, nesta disciplina da vela, os custos são muito elevados. É uma excelente ajuda financeira para comprar melhor material e ser mais competitiva.

Levas o nome da cidade para todas as provas.
Tenho um grande autocolante Porto. na minha prancha. As minhas colegas de competição perguntam, muitas vezes, de onde venho e respondo, com muito orgulho, que sou do Porto. Muitas já conhecem e gostam da cidade.

Não te imaginas a viver noutra cidade?
Foi aqui que cresci, toda a minha família vive aqui. Passo muito tempo fora, cerca de 20 a 25 dias por mês, mas volto sempre com muita vontade de aqui estar.

Tenho um grande autocolante Porto. na minha prancha

O país ajuda os atletas olímpicos?
Há um ano e meio que estou integrada no projeto "Paris 2024", do Comité Olímpico de Portugal (COP), e foi uma diferença abismal a minha preparação. Tive acesso a treinadores, equipamentos, tudo o que envolve logística e coordenação com a Federação Portuguesa de Vela (FPV).

Tivemos sempre tradição olímpica na vela, mas é raro ver mulheres a conseguirem lá chegar. No kitesurf és a primeira. Tem algum significado para ti?
É verdade. Já alguns anos que a vela tem cada vez mais mulheres. Já não há tanto o mito que a vela é só para homens. Isso reflete-se neste Jogos Olímpicos. Vão dois velejadores e duas velejadoras [n.r: Eduardo Marques, em ILCA 7, e Diogo Costa, em 470 mistos, Mafalda Pires de Lima, em kitesurf, e Carolina João, em 470 mistos]. Embora sejamos poucos, mas há uma igualdade de género, refletindo o trabalho que tem vindo a ser feito pelos clubes e a federação.

Voltemos sempre à cidade. O que é o Porto para ti?
É a minha casa, precisamente onde sempre volto.

gco_mafalda_pires_kitesurf_2024_07.jpg