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Histórias da cidade: Almeida Garrett é o anfitrião na sala de visitas do Porto

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Filipa Brito

Passaram, na sexta-feira, 223 anos: na então designada Rua do Calvário (atualmente, Rua do Dr. Barbosa de Castro), nascia João Baptista da Silva Leitão de Almeida Garrett. Os dois últimos apelidos evocam instantaneamente o vulto intelectual que se distinguiu numa dimensão nacional. Natural do Porto, é objeto de múltiplas homenagens na cidade.

É justamente a figura de Almeida Garrett que recebe todos os que chegam ao Porto, naquela que é uma espécie de sala de visitas da cidade. Na Praça do General Humberto Delgado, enquadrada pelo edifício dos Paços do Concelho e pelos majestosos pinheiros-mansos que a ladeiam, a estátua do escritor surge, com a Avenida dos Aliados aos seus pés, como um anfitrião que dá as boas-vindas aos visitantes.

O trabalho do escultor Salvador Barata Feyo foi inaugurado em 1954, no âmbito das comemorações do primeiro centenário da morte do poeta, e desde então teve lugar privilegiado em diversas ocasiões festivas da cidade – é junto à estátua que tradicionalmente é erguida a Árvore de Natal, e para ali confluem as festas de São João ou as comemorações de conquistas desportivas. Em maio de 2010, a missa celebrada pelo Papa Bento XVI nos Aliados proporcionou ao monumento em homenagem a Almeida Garrett um autêntico “banho de multidão”.

A escultura que imortaliza Almeida Garrett será, porventura, um dos elementos mais fotografados por quem visita a cidade, mas pela praça que ostenta o nome do escritor também passam, diariamente, milhares de pessoas. Em frente à estação de São Bento, na ligação do Centro Histórico à Baixa da cidade, a Praça de Almeida Garrett não é a primeira homenagem toponímica que a Invicta presta ao escritor.

Segundo recordava Germano Silva numa crónica no Jornal de Notícias, em 2006, o nome de Almeida Garrett figurou previamente em dois arruamentos: “A atual Rua do Alferes Malheiro chamou-se, em tempos idos, Rua de Liceiras, desde a Rua do Almada até à esquina da Rua de Camões. Daqui até à Rua do Bonjardim chamava-se Rua do Visconde de Almeida Garrett. Outra artéria que evocava o nome do autor de O Arco de Sant’Ana era a atual Rua do Padre António Vieira, em Campanhã. Chamou-se noutros tempos Rua Garrett.”

Aliás, o jornalista e divulgador de memórias portuenses notava, no mesmo texto, que a Câmara do Porto chegou a manifestar a intenção, em 1864, de dar o nome de Almeida Garrett à rua onde o escritor nasceu – então ainda Rua do Calvário. “Nunca essa deliberação foi concretizada. Segundo uma crónica da época um vereador teria justificado que a mudança não se concretizara porque, entretanto, a Câmara havia concluído que ‘aquela rua não estava à altura do grande nome de Garrett’”, contava Germano Silva.

Essa homenagem não foi avante, mas o edifício onde Almeida Garrett nasceu (número 37 a 41) passaria a ostentar na sua fachada um medalhão que assinala o facto de aquela ser a casa primordial do escritor (fotografia consultável no site do Arquivo Municipal do Porto). O assento de batismo de Almeida Garrett pode ser consultado no mesmo portal, onde também se encontra uma curiosidade – uma ilustração de Cruz Caldas, publicada n’O Comércio do Porto em 1971, alusiva à Feira do Livro no Porto, que retrata a estátua do escritor dirigindo-se à figura do Zé Povinho: “Aos meus colegas e editores, desejo um grande triunfo artístico e financeiro! E a ti, meu bom Zé, aconselho-te o melhor livro que está na Feira, «O livro de cheques»!...”

Justamente no local onde, nos últimos anos, se tem localizado o coração da Feira do Livro, a cidade mostra que não esquece a produção literária de Almeida Garrett, homenageando-o com a atribuição do seu nome à biblioteca municipal localizada nos Jardins do Palácio de Cristal.

Houve também uma coleção de postais, comemorativa do centenário de Almeida Garrett, editada em 1902 pelo Ateneu Comercial do Porto, e que consta de 40 postais ilustrados por alguns dos melhores artistas portuenses da época, como António Carneiro, Aurélia de Sousa, Marques de Oliveira, Veloso Salgado e muitos outros.

Liberal, entusiasta da Revolução de 1820, pertence a Almeida Garrett uma frase que resume o espírito resoluto da Invicta: “Se, na nossa cidade, há muito quem troque o b por v, há muito pouco quem troque a honra pela infâmia, e a liberdade pela servidão.”

Partiu para o exílio após o golpe de 1822, no qual o liberalismo foi derrotado. Passou primeiro por Inglaterra, onde tomou contacto com o movimento romântico, e depois França. Garrett afirmar-se-ia como um dos introdutores do Romantismo em Portugal, marcando uma viragem na literatura portuguesa. Desempenhou vários cargos políticos, tendo sido sua iniciativa a criação de um Panteão Nacional, no Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa. Ali foram depositados os seus restos mortais, em 1903, sendo trasladados para a Igreja de Santa Engrácia em 1966, aquando da inauguração do monumento como Panteão Nacional.