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Histórias da Cidade: Carlinhos da Sé, o vendedor que quebrou ideais de género num meio conservador

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A figura popular não é fruto da imaginação dos portuenses. Carlinhos da Sé, de quem apenas se conhece uma fotografia, existiu e foi um vendedor ambulante de roupa interior feminina, tornando-se conhecido por quebrar todos os padrões de género intrínsecos na conservadora sociedade portuense.

Terá nascido na década de 1930, mas foi entre 1950 e 1960 que Carlinhos da Sé se destacou pelo seu modo de vida, que fugia dos padrões implementados no seio da conservadora sociedade portuense da época, subjugada aos valores do Estado Novo.

Envergando calças justas de terylene – vincadas e subidas –, e tops curtos que deixavam ver a zona abdominal (como se pode observar na única fotografia sua de que há registo), o vendedor ambulante, que tal como o seu nome indica, fazia vida na zona da Sé do Porto, marcou o quotidiano da época por ser uma figura andrógina e ser dos poucos (talvez o único) homens a assumir a sua homossexualidade de forma transparente no seio da ditadura.

Os poucos documentos históricos que o incluem, recordam Carlinhos da Sé como um vendedor de lingerie, que tinha nas mulheres da zona as suas clientes. Os soutiens, cuecas e aventais que transportava na seira de palha por si carregada não eram apenas o seu ganha-pão, mas tornaram-no numa figura, que, por ter coragem por romper com os padrões instituídos, adquiriu o respeito de todos.

Paixões fugazes

Num levantamento feito pelo jornal Público, em 2021, várias pessoas que o conheceram destacaram a sua personalidade amistosa, generosa e humilde. Apesar de, na época, a diferença ser quase sempre sinónimo de estranheza e marginalização, Carlinhos da Sé alcançou um estatuto honroso e, escreve o diário, acabou por conseguir proteger outros tantos que não conseguiram, no seu tempo, adquirir o respeito da sociedade por não se inserirem numa estrutura tradicional e heteronormativa.

Entre amores e desamores que foi vivendo, não se conheceu nenhum relacionamento amoroso de Carlinhos da Sé. Quem no tempo dele viveu recorda as paixões fugazes, tendo sido as desilusões do coração as principais causadoras do declínio da sua saúde.

Medalhado a título póstumo

A data da sua morte, ainda que imprecisa, terá ocorrido por volta da década de 1970. A Capela da Nossa Senhora do Ó ter-se-á enchido de pessoas que lhe quiserem prestar uma última homenagem, garantindo que o pioneiro – mesmo sem querer – de temas como a aceitação e normalização da diversidade sexual e de identidade de género não fosse esquecido.

Nos dias que correm, não existem muitos documentos ou livros que honrem o legado deixado por Carlinhos da Sé. Por considerar que teve um papel crucial na transformação de uma sociedade que era muito conservadora e pouco moldável à diferença, a Câmara do Porto concedeu-lhe, a título póstumo, uma medalha municipal, assegurando que Carlinhos da Sé não desvanece da memória coletiva portuense.