Política

“Quando se vê aflito, o Estado bate à porta dos municípios", diz Rui Moreira

  • Isabel Moreira da Silva

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Os presidentes de câmara sentem-se marginalizados pelo Estado Central, embora tenham tido desde o primeiro momento um papel determinante no combate à pandemia, agindo por antecipação. Falta reconhecimento, envolvimento e comunicação numa relação que, segundo Rui Moreira, se tem estabelecido na base do “desenrascanço”. Ao Expresso da Meia-Noite, o autarca deu como exemplo a carta que recebeu do coordenador da task-force em que pede à Câmara do Porto para preparar meios para a vacinação em larga escala nas próximas três semanas, quando lhe fora pedido exatamente o contrário há cerca de um mês, altura em que foi criticado pelo excesso de voluntarismo na tomada de medidas.

Não são tidos nem achados na hora das decisões, mas depois são chamados para resolver problemas de última hora. No Expresso da Meia-Noite, Rui Moreira disse que soube do plano de desconfinamento através da comunicação social e lamentou que a relação do Estado Central com os municípios esteja montada de acordo com o princípio do “desenrascanço”.

“Tem sido assim com tudo: foi com os testes, com os ventiladores e com as máscaras. Há um Estado Central que determina tudo, que nunca territorializou nada, nem nisto nem na bazuca, mas que, quando se vê aflito, bate à porta dos municípios”, declarou.

Em causa, a carta que Rui Moreira recebeu esta semana do vice-almirante Henrique Gouveia e Melo, em que é pedido ao Município do Porto que agilize a criação de centros de vacinação nos próximos 21 dias, de modo a que a capacidade atualmente instalada no país quadruplique de 30 mil pessoas vacinadas por dia para 120 mil, já em abril. “Por acaso, tenho um centro preparado e acho que vou conseguir ter os três. Mas dar a um município três semanas para, subitamente, se capacitarem para isso, parece-me, mais uma vez, um desenrascanço à portuguesa”, reforçou.

Tanto mais que ainda lhe está fresca na memória a advertência que chegou igualmente por correio. “Vejam lá, não tomem grandes iniciativas”, era a tónica do discurso do coordenador da task-force, que orientava no início de fevereiro os presidentes de câmara somente na ajuda aos ACES e no apoio às deslocações, “para não criar expectativas na população”, confirmou Carlos Carreiras, destinatário de igual mensagem.

A questão é que além de corresponder a estas guidelines - cedendo instalações de escolas municipais e fechando um acordo com os táxis para o transporte aos locais de vacinação por um custo muito reduzido – Rui Moreira foi mais longe. Criou um centro de vacinação drive-thru, no Queimódromo, com a Unilabs e o Hospital de São João. E o que antes era um aviso de marcha atrás passou agora a ordem de prego a fundo.

O “papel das autarquias no desconfinamento” era o tema do programa da SIC Notícias, em que além do presidente do Porto participaram os autarcas de Gaia e de Cascais, Eduardo Vítor Rodrigues e Carlos Carreiras, e também Henrique Oliveira, matemático e professor do Instituto Superior Técnico.

Um papel que, sob o ponto de vista daquele que tem sido o entendimento do Governo, desagrada ao poder local, que por sua vez insiste que está a ser posto à margem de muita informação útil no combate à pandemia. Carlos Carreiras partilhou mesmo que tem de recorrer a alguma “espionagem” para saber qual o R (índice de transmissão) do concelho de Cascais.

No Porto, as reuniões semanais do Conselho Municipal da Proteção Civil (que reúne os ACES - Agrupamento de Centros de Saúde, Administração Regional de Saúde do Norte, hospitais da cidade, polícia municipal, PSP e proteção civil) colmatam de alguma maneira essas lacunas, mas Rui Moreira reconhece que não é suficiente.

“Tentamos perceber qual a percentagem de infeções nos testes, coisa que normalmente não tem sido divulgado pela DGS [Direção-Geral da Saúde]”, informou o presidente da Câmara do Porto, recordando a propósito que, dias antes do Natal, a percentagem de testes positivos já subira dos 10% para os 20-30%, o que devia ter feito soar o alarme. “Na terceira vaga demorou-se muito tempo a atuar. Na minha opinião, deviam ter sido tomadas medidas muito mais rápidas”, considerou.

Também o professor do Instituto Superior Técnico alertou para a necessidade de se agir com rapidez. “É preciso atacar muito cedo para evitar um novo confinamento”, caso contrário, pode vir uma quarta vaga no horizonte. Apenas quando cerca de 7 a 8 milhões de portugueses estiverem vacinados, pode alcançar-se a imunidade de grupo, assinalou.

Já o plano de desconfinamento não levanta grandes questões entre os autarcas, embora contestem não terem sido envolvidos no processo, e especificamente na testagem que vai ser realizada nas escolas, até porque consideram ter uma capacidade de organização e de logística superior à do Governo.

“Se há tábua onde as pessoas se têm vindo a agarrar do ponto de vista dos problemas que vão sentindo, como o fornecimento de EPI’s [equipamentos de proteção individual], de computadores ou mesmo na questão dos testes, têm sido de facto os municípios. De uma forma subsidiária, complementar, infelizmente nem sempre em rede, muitas vezes até de modo supletivo”, referiu Eduardo Vítor Rodrigues.

Que o diga Carlos Carreiras, que ao ter disponibilizado recursos para apoiar as convocatórias para a vacinação, revelou que, num só dia, entre 400 chamadas realizadas “100 foram para pessoas que já tinham morrido. O mais antigo tinha morrido há 20 anos”, adiantou o presidente da Câmara de Cascais, confirmando que a listagem foi fornecida pelas autoridades de saúde.

Para o plano ser bem-sucedido, Rui Moreira entende que é preciso “fazer uma monitorização muito eficiente”, massificar os testes e ter sobre ele uma abordagem territorial. E – fundamental – que “haja vacinas”.

“Não compreendo que não haja lógica territorial. O Primeiro-Ministro disse-o agora pela primeira vez e ainda bem que o disse. Por muito que estejamos a navegar num mar ignoto, já tivemos um ano para aprender”, assentou o autarca, recordando que quando a Câmara do Porto organizou no ano passado um programa de testagem nos lares pioneiro a nível nacional, a DGS entendia que se devia apenas fazer uma amostragem.

“As medidas fazem sentido, são razoáveis, é certo que vamos correr riscos, mas para determinarmos quais serão as próximas medidas precisamos de medir a temperatura e de a comunicar todos os dias”, concluiu Rui Moreira.