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Cinema Trindade faz parte do “roteiro de emoções” da cidade

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Filipa Brito

O Cinema Trindade completa cinco anos da sua reabertura neste sábado, 5 de fevereiro, numa comemoração que se prolonga por quase duas semanas. No total, são 38 filmes que compõem uma programação de excelência, norteada pela linha que tem orientado a sua ação ao longo dos anos: a forma como o cinema olha para a cidade e como a cidade olha para o (seu) cinema. Américo Santos, diretor do Cinema Trindade, fala em “novos hábitos, novos públicos e, sobretudo, um sentimento de pertença a um espaço devolvido à cidade”.

Na Rua do Almada, paredes meias com o cruzamento da Rua do Dr. Ricardo Jorge, uma porta (pequena na dimensão, mas gigante no horizonte que se adivinha) abre-se à cidade. Sem parangonas na entrada, sem reclamos luminosos, sem sinalização excessiva.

Na fachada há imagens delicodoces, há horários organizados em lista, há atores e atrizes mais ou menos (re)conhecidos a “piscarem” o olho a quem passa para as mais recentes histórias que invadem o grande ecrã.

Há Penélope Cruz, Tilda Swinton, Javier Bardem, Paul Thomas Anderson, Nanni Moretti, há o mais recente sucesso português (“A Metamorfose dos Pássaros”, de Catarina Vasconcelos), há Fellini num ciclo especial, há português do Brasil a ecoar das salas.

Há cinema no coração da cidade, uma porta que se abre todos os dias como uma passagem secreta para uma realidade que só existe (literalmente) nos filmes.

Um “roteiro de emoções”

Américo Santos, distribuidor independente, impulsionador do cinema brasileiro em Portugal, responsável máximo de um dos festivais de cinema mais históricos do norte do país (o Festival Luso-Brasileiro de Santa Maria da Feira), tornou-se, em 2017, o programador e diretor desta sala histórica, com a exibição regular e diária de cinema no centro da cidade do Porto.

Há cinco anos, o Cinema Trindade, fechado durante mais de uma década, voltou à vida. Ou “voltou a ter vida” (talvez seja esta a forma mais correta de descrever este momento).

Com mais de 100 anos de existência (a inauguração do espaço remonta a 1913), o novo Cinema Trindade (datado agora de 2017) aposta no cinema independente e de autor, sem esquecer os filmes dos grandes estúdios.

“A abertura deste local teve um excelente acolhimento por parte do público, visível num certo revivalismo entusiasta que permitiu ao Cinema Trindade recolocar o seu lugar na memória da cidade”.

As palavras são de Américo Santos, logo comprovadas pelos números que marcam esta nova vida.

Ao longo dos últimos cinco anos, foram cerca de 40.000 os espectadores que se sentaram numa das salas, que assistiram a um dos filmes exibidos, “considerando [nestes números] até os anos afetados pela pandemia”. Demonstra que, com toda a segurança, este acabou por ser um local de “fruição cultural intensa” mesmo durante os períodos menos felizes das nossas vidas mais recentes.

“O Cinema Trindade faz parte de uma espécie de roteiro de emoções na baixa da cidade, o que torna o Porto numa cidade com uma oferta bastante ajustada à sua dimensão”, refere Américo Santos, num balanço positivo sobre a adesão do público ao longo dos anos.

Momentos marcantes

Com duas salas em funcionamento simultâneo, o Cinema Trindade tem sido passagem obrigatória de muitas das estreias mais aclamadas dos últimos anos – e de muitos espectadores, dos mais velhos ou mais novos, dos cinéfilos inveterados aos simples curiosos.

O programa de aniversário não será exceção (já lá vamos!) mas o passado ainda ecoa no sentimento de quem entra diariamente no local com a certeza de uma missão cumprida.

“Um dos momentos mais marcantes dos últimos anos, para mim, foi a reabertura após o encerramento devido à pandemia. A 19 de abril de 2021 reabrimos as portas, o que resultou em sessões noturnas totalmente esgotadas”, destaca o programador, demonstrando, desta forma, a necessidade que o público tinha da sua sala de cinema.

No desenrolar de memórias que marcam os últimos anos, o diretor do Trindade destaca ainda “os debates sobre o filme ‘A Metamorfose dos Pássaros’ com a presença da realizadora Catarina Vasconcelos e a apresentação do realizador Walter Salles dos filmes ‘Limite’, de Mário Peixoto, e ‘A Terra Estrangeira”, assume.

Estas são, de resto, atividades paralelas que ajudam a criar uma cultura de cinema na cidade. Porque “ir ao cinema”, nos dias de hoje – e no Cinema Trindade – deixou de ser uma simples “ida ao cinema”. Aqui há lugar para encontros com os realizadores, com os atores, com os distribuidores, com os interessados e cinéfilos e até com os vizinhos da porta ao lado que apenas encontramos em momentos especiais.

Programa de aniversário

No futuro, o aniversário que agora se inicia será certamente um momento para mais tarde recordar.

O Trindade preparou assim, de 5 a 16 de fevereiro, um programa especial com um total de 38 filmes em 12 dias, incluindo estreias nacionais e sessões especiais com a presença dos realizadores.

Um dos destaques vai precisamente para o primeiro dia, 5 de fevereiro, com um ciclo constituído por três filmes do Porto que percorrem a cidade.

Às 15 horas, será exibido o filme “Distopia”, de Tiago Afonso, que acompanha a mudança no tecido social da cidade durante os últimos 13 anos – o filme foi, de resto, galardoado com os prémios de Melhor Filme nas edições de 2021 do Festival Porto/Post/Doc e do Doclisboa; “A Nossa Terra, o Nosso Altar”, de André Guiomar (18,30 horas), que acompanha as últimas rotinas no quotidiano do Bairro do Aleixo; e termina com “Mar Infinito”, de Carlos Amaral (22 horas).

O programa vai contar com "uma antevisão exclusiva dos filmes que vão marcar o ano cinematográfico de 2022, através de diferentes geografias e sempre na companhia dos melhores realizadores".

Entre eles, estão “A Pior Pessoa do Mundo”, de Joachim Trier (6 fevereiro), “Vortex”, de Gaspar Noé (15 fevereiro), “Um Verão na Córsega”, de Pascal Tagnati (14 fevereiro), “Cordeiro”, de Valdimar Jóhannsson (13 fevereiro), “Um Herói”, de Asghar Farhadi (12 fevereiro), “Swimming Out Till The Sea Turns Blue”, de Jia Zhang-Ke (8 fevereiro) e, em estreia nacional, “A Rapariga e a Aranha”, de Ramon Zürcher e Silvan Zürcher (16 fevereiro).

Três países estarão ainda em destaque nesta sessão de aniversário. Um dos focos é um eixo dedicado ao cinema português, com a exibição dos filmes “A Criança”, de Marguerite de Hillerin & Félix Dutilloy-Liégeois (7 fevereiro), “A Arte da Memória”, de Rodrigo Areias (11 fevereiro), “28 ½”, de Adriano Mendes (12 fevereiro) e dois filmes de cineastas portuenses que filmaram fora da cidade: “Body Rice”, de Hugo Vieira da Silva (13 fevereiro) e “E Agora? Lembra-me”, de Joaquim Pinto (10 fevereiro).

Há ainda um ciclo dedicado à Rússia, num programa com o título “Da Rússia com Amor”, com três filmes de três realizadores; e um conjunto de sete filmes do Brasil, entre eles a estreia nacional de “Marinheiro das Montanhas”, de Karim Aïnouz (9 fevereiro).

O (extenso) programa está disponível na íntegra aqui.

O Cinema Trindade é um dos equipamentos abrangidos pelo TRIPASS, o cartão promovido pela Câmara Municipal do Porto que dá acesso privilegiado ao circuito de cinema no centro do Porto com descontos e outros benefícios. O cartão oferece um desconto de 25% sobre o valor do bilhete normal e pode ser utilizado já nas sessões deste aniversário.

O futuro do local

O Trindade veste-se, assim, de futuro nos próximos dias, num programa que abre caminho e dá passos seguros para os próximos desafios.

“O grande desafio para os próximos tempos passará por uma clara aposta na internacionalização do Cinema Trindade, através de uma participação ativa nas redes de cinema europeias”, adianta o diretor do espaço, realçando o “estabelecimento de parcerias estratégicas com entidades do meio cinematográfico.

E vai mais longe: quer tornar este momento – o aniversário do Trindade – “uma âncora da programação”, avança Américo Santos.

Por agora, o futuro faz-se no imediato, numa verdadeira maratona de filmes que ajudam a perceber o passado e o futuro do cinema em Portugal – de 5 a 16 de fevereiro.

Nas paredes da sala, há olhares que continuam a acompanhar a nossa viagem. Nas ruas, olhares com quem nos cruzamos numa ou noutra sessão são memórias de tempos recentes. Na internet, as opiniões sucedem-se (e são quase todas favoráveis).

“Sítio de muitos reencontros da família do cinema. Aqui é possível "olhar nos olhos" de atores, realizadores, produtores, em jeito de tertúlia e num ambiente de grande intimidade. Aos responsáveis, a minha vénia e admiração”, escreve o espetador Jorge Batista.

Mais abaixo pode ainda ler-se a opinião de Joana Francisco. “A derradeira sala de cinema ‘tradicional’ do Porto. Ótima seleção e rotação de filmes. Possibilidade de desconto. Frequência silenciosa e concentrada na experiência cinéfila”.

É que no Cinema Trindade, só as pipocas não são mesmo bem-vindas.