Sociedade

Sangue novo revitaliza comércio tradicional no Bonfim

  • Paulo Alexandre Neves

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Carlos Fuchs, produtor musical, e a sua mulher, a cantora Valéria Lobão, decidiram há quatro anos deixar Santa Teresa, no Rio de Janeiro, para vir morar no Porto. O mesmo aconteceu, ainda que mais recentemente, com Laura Chevalier e Joris Comandré. Ela trabalhava na área da restauração, ele era DJ na zona de Paris. Há três anos decidiram mudar de vida e de país. Apaixonaram-se, de imediato, pela Invicta. Histórias de vida de quem arriscou e abriu negócios na freguesia do Bonfim, nas ruas adjacentes à Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto.

Foi este fenómeno localizado que interessou Priscilla Santos. Em 2021 apresentou, no âmbito do mestrado em Sociologia, na Faculdade de Letras, uma dissertação intitulada “Migrações, cosmopolitismos e produção de cidade: uma etnografia dos pequenos comerciantes no Bonfim”. À época existiam ali diversos tipos de negócio (restauração, escolas de yoga, cafés, alojamentos locais, galerias de arte, entre outros), cujos donos eram originários da República Checa, Estados Unidos, Coreia do Sul, França, Brasil, Vietname.

Uma multiculturalidade que não deixou de impressionar a investigadora, também ela brasileira (de São Paulo) e que, em 2017, juntamente com a família, optou por vir viver para o Porto. “Tem uma escala mais humana. Quando viemos para Portugal definimos, em família, vários critérios para escolher uma cidade: não estar longe entre lugares, ter rio e mar”, confessa, sorrindo logo de seguida: “Este último critério foi muito importante. Algumas cidades do norte foram excluídas por causa disso”.

Porquê, então, o Bonfim para base de estudo? “A freguesia, mais propriamente a zona adjacente à Faculdade de Belas Artes, preserva ainda um forte caráter identitário que seduz os estrangeiros. É uma mistura entre o novo e o antigo, um sítio com sentido de unidade e vizinhança”, argumenta Priscilla Santos, para quem “a imagem mais recente da cidade, pujante e atraente em termos turísticos, acabou por ter impacto nos novos migrantes. Acabou por atrair um novo perfil de residentes e de comerciantes".

“Escolheram o Bonfim por acharem que tem uma vida de bairro, onde todos se conhecem. Maior parte deste novo comércio resistiu, apesar da pandemia, e, hoje, as pessoas reconhecem que eles não foram embora”, acrescenta.

“Somos felizes aqui”

Laura Chevalier e Joris Comandré abriram o The Happy Nest, na Avenida de Rodrigues de Freitas, três meses antes do fecho da cidade e do país, por causa da pandemia. Estiveram fechados mais cinco. Nunca deixaram de acreditar. “Não foi fácil. Este foi o nosso primeiro verão... normal”, sorri Joris Comandré.

O casal está satisfeito, tanto mais que, este ano, a Avenida de Rodrigues de Freitas voltou a receber animação, durante o verão, no âmbito da iniciativa municipal “A Rua é Nossa”. “Somos felizes aqui”, confessa Laura Chevalier, destacando que o Bonfim é “uma zona multicultural, bastante calma”.

“Esta zona [do Bonfim] faz-me lembrar Santa Teresa (Brasil)”

Carlos Fuchs e Valéria Lobão abriram, no ano, o café-bar Dona Mira , na Rua do Duque de Saldanha. Um espaço com livros, música e declamação de poesia ao vivo, para além de exposições temporárias.

O produtor cultural brasileiro, com ligações à Fonoteca Municipal, deixou-se encantar pela zona: “É bastante arborizada, calma, as ruas em paralelo, fazendo-me lembrar muito Santa Teresa, também com os casarões, uma sensação de vizinhança incrível. Por isso, decidimos avançar para um café comunitário, agregando pessoas, e onde possamos promover qualquer tipo de cultura”.

“É muito trabalho, mas vale a pena. Todos os dias chego aqui feliz. Conheço pessoas, novos projetos”, acrescenta.

“Na minha dissertação, a maioria das pessoas entrevistadas afirmou que veio para o Porto ‘para ficar’ e não para passar um tempo curto”, garante Priscilla Santos. Para já, Carlos Fuchs e Valéria Lobão, bem como Joris Comandré e Laura Chevalier, não pensam desistir dos seus projetos de vida.