Sociedade

“SOmOS” os que lutam contra os estereótipos e o “mas” depois dos sonhos

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Têm sonhos, vontade de liberdade e direitos como os demais, “mas” sentem a pressão da sociedade, o peso das doenças, as desigualdades. Querem uma casa, dar a volta ao mundo, um emprego, “mas” estão desempregados, sofrem de depressão e vivem colados a rótulos e estereótipos. O Município do Porto assinalou o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza com o espetáculo de inclusão “Por Que Não Posso?”, na Casa do Infante.

Neste dia”, sublinha o vereador com o pelouro da Coesão Social, Fernando Paulo, “os protagonistas são as pessoas que vivem com maiores vulnerabilidades e eles próprios vão convidar o público a refletir no que foi o seu processo de vida, as suas angústias, os seus desafios, mas sobretudo no que são os seus sonhos para a inclusão”.

Neste dia, o palco é da Vilma, do Ricardo, do Inácio e de tantos que, como eles, sentem os dedos da sociedade sempre apontados. “Hoje vamos no metro e rotulamos as pessoas”, lembra Inácio. Ex-toxicodependente, encontrou no teatro um lugar de liberdade, que o salvou da depressão, “uma família, um aconchego”.

É no palco que consegue “transmitir tudo o que tenho para transmitir às pessoas, as minhas mazelas, como foram os anos em que vivi na rua, a toxicodependência”.

Confessa que se sente “útil para a sociedade” ao protagonizar uma peça que, espera, possa fazer com que muitos “deixem de apontar o dedo”. “A liberdade deve existir para todos e toda a gente merece um voto de confiança”, partilha.

Da família faz também parte Vilma. Há dois anos que faz questão de participar nos projetos de teatro: no MEXE, no “Por Que Não Posso?” ou no “É!”, estes dois últimos, integrados num projeto maior, o “SOmOS - Existimos, Criamos, Somamos (P)Artes”, um conjunto de oficinas promovidas pela Câmara do Porto e dinamizadas pelas associações Pele, Saber Compreender e Apuro com pessoas em situação de sem-abrigo ou de vulnerabilidade social.

Apesar de “nunca ter pensado em fazer teatro”, Vilma admite que “esta experiência deu-me a oportunidade de conhecer gente maravilhosa, o convívio é espetacular. Somos uma família”.

Em palco, neste Dia para a Erradicação da Pobreza, quer “que as pessoas que saem daqui no fim percebam que somos todos iguais”. Para si, guarda “uma forma de me expressar melhor, de ser mais expansiva, de lidar melhor com as pessoas, e ajuda a quebrar os estereótipos”.

É também para lutar contra ideias pré formadas que Ricardo se juntou ao grupo. Já viveu na rua, foi tratado por psicólogos e psiquiatras, e foi nas atividades de terapia ocupacional que descobriu como o teatro seria o que o faria “encontrar sentido e gosto pela vida”. “A depressão leva a pensamentos de tristeza profunda e eu aqui sinto-me mais feliz, mais realizado. Tenho apoio, eles são como uma família”, acrescenta.

Tal como os companheiros, quer que o “Por Que Não Posso?” possa contribuir para que “o preconceito não seja tao acentuado”. “Ir mudando a sociedade para melhor”, seria o sonho realizado.

Trabalhar a mudança em todos, no palco e na sociedade

Daniela Couceiro recebeu da PELE o testemunho para que, a partir de agora, seja o projeto “Incluir” a dinamizar esta atividade, tornando-a autónoma. “As pessoas encontraram aqui o lugar delas. Muitos deles conseguiram perceber todas as vantagens que isto traz, de relativizarmos os nossos problemas em função dos problemas dos outros através dos momentos de partilha”, reforça a educadora social.

A responsável afirma que este “é um desafio que descobrimos que faz muito sentido para eles e que criou, acima de tudo, um espírito de equipa, um lugar de partilha” e onde podem “ter uma voz ativa”.

Para Daniela Couceiro, este “Por Que Não Posso?” tem duas funções: mostrar “que as pessoas não precisam de estar eternamente num determinado estado. Que é possível, que existem ajudas, projetos, apoios”, assim como desfazer preconceitos relativos à pobreza. “Aquilo a que assistimos em palco é perfeitamente passível de acontecer”, lembra, sublinhando o “cabe a todos nós contribuir um pouco para a alteração de paradigmas”.

A Câmara do Porto e o NPISA têm vindo a adotar uma estratégia no sentido de incluir todas as pessoas em situação de vulnerabilidade. O vereador responsável pela Coesão Social diz acreditar na “inclusão pelas artes”, através das quais “conseguimos chegar a mais pessoas, conseguimos sensibilizá-las e despertá-las para a participação na comunidade”.

Neste tipo de teatro, como no dia a dia, todos têm a sua participação: na acusação e na mudança. Mais do que falar, o teatro fórum mostra a necessidade, trabalha a mudança, assumindo-se como um tipo de teatro que quer mudar a história.

Para que “o compromisso e o debate continuem a ser coletivos”, o vereador da Câmara do Porto assume que o Município vai continuar a fazer o seu papel nesta peça ao “garantir a continuidade destas intervenções para que as pessoas tenham o apoio de que necessitam”.

“Socialização e integração é o que nos motiva”, sublinhou Fernando Paulo, lembrando que estas iniciativas “não dependem apenas do orçamento municipal, mas do trabalho em rede”, assim como da adesão das pessoas e da tolerância desejada em sociedade.