Cultura

Porto não esquece Guerra Junqueiro e dá início às comemorações do seu centenário

  • Paulo Alexandre Neves

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O centenário da morte de Guerra Junqueiro foi assinalado, esta sexta-feira, com uma sessão evocativa nos Paços do Concelho, que contou com intervenções do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa (em formato vídeo), e do presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira. Do programa fez parte também o lançamento da edição, inédita, de “Imagens da Palavra”, que recupera as colaborações entre Guerra Junqueiro e os artistas António Carneiro e Teixeira Lopes (pintura, desenho e fotografia de escultura), publicadas em O Comércio do Porto Ilustrado e Diário de Notícias Ilustrado.

O objetivo central das comemorações do centenário da morte de Guerra Junqueiro passa por aproximar novos públicos da sua obra poética e promover a compreensão pública sobre a figura histórica e o seu tempo. "Resgatar a sua obra" e "salvar do esquecimento" o escritor e poeta foram duas ideias chaves que trespassaram pela cerimónia evocativa.

O Município do Porto encabeça um vasto programa de homenagem, em resposta ao desafio lançado pela Fundação Maria Isabel Guerra Junqueiro e Luís Pinto de Mesquita Carvalho Guerra Junqueiro. A iniciativa congrega quatro cidades de importância para o poeta: Freixo de Espada à Cinta, a sua vila natal, o Porto, Lisboa e Viana do Castelo – locais onde viveu e desenvolveu as variadíssimas vertentes dos seus trabalhos.

"Influência marcante na mundivisão da cidade"

Esta é uma "efeméride de grande simbolismo para o Porto, cidade que não só acolheu Guerra Junqueiro em vida como construiu a sua identidade com base em muitos dos ideais preconizados pelo escritor, político e jornalista", referiu o presidente da Câmara do Porto. Para Rui Moreira, Guerra Junqueiro teve "uma influência marcante na mundivisão da cidade e na consolidação do seu carácter granítico e irredutível".

"'A verdade não conhece perífrases, a justiça não admite reticências', defendeu Guerra Junqueiro. Este aforismo reflete muito do que é o Porto – uma cidade com o coração perto da boca, íntegra nos seus princípios e intolerante às injustiças", sublinhou o presidente da Câmara.

"A liberdade não é palavra vã para os portuenses, ou não fosse esta a cidade Invicta. Ainda hoje, o Porto continua a defender ferreamente os seus interesses, é muito cioso da sua identidade, tem capacidade de mobilização popular e pratica uma sadia insolência face ao centralismo simbolizado pelo Terreiro do Paço", acrescentou.

De forma espontânea, indo para além do seu discurso, Rui Moreira transpôs o pensamento do escritor e poeta para os dias de hoje, afirmando que "a guerra civil europeia, que começou em 1914 e que, afinal, descobrimos agora que ainda não acabou, assassina o patriotismo e devolve todos os patriotas ao silêncio. Porquê? Porque se divide entre o nacionalismo e o internacionalismo".

"Aquilo que Guerra Junqueiro nos explica é que se pode ser, deve-se ser patriota. Não se deve esquecer o passado e deve-se continuar a construir o passado e o futuro", concluiu Rui Moreira.

“Estamos perante um poeta, cidadão e profeta”

Antes, por vídeo, o Presidente da República, que recebeu de Rui Moreira um elogio à sua ação – "está bem a República quando tem um Presidente que sabe dizer e pensar isto. Não foi sempre assim, espero que seja sempre assim", afirmou o presidente da Câmara –, evocou Guerra Junqueiro, para realçar que "os tempos e os costumes mudam tudo", mas está-se perante um poeta, "cidadão e profeta".

"Violentamente mordaz, anticlerical, inimigo jurado daquilo que julgava, e muitas vezes com razão, ser o obscurantismo e o fanatismo de tantos católicos, o ex-estudante de Teologia foi também autor de 'A Velhice do Padre Eterno', título que definiu como poucos a ideologia e a doutrina dos seus leitores", garantiu o Chefe de Estado.

Para Marcelo Rebelo de Sousa, "se nos esquecermos dos tempos e dos costumes, se nos ativermos ao que há de poético em Guerra Junqueiro ainda temos muito para admirar: grande eloquência, que não tem de ser um defeito, torrencialidade, que é um jogo perigoso mas fascinante, a alegoria, mortal quando funciona, o ritmo, estridente e relampejante, a própria visualidade, faz com que os poemas saltem, rapidamente, do pensamento para a imagem, em detrimento de um e abono de outra".

"Quando morreu, Abílio Manuel Guerra Junqueiro era um poeta que todos conheciam. Foi um cidadão empenhado, um poeta genuíno, disso ninguém dúvida. Isso não esquecemos, isso para sempre agradeceremos", concluiu o Presidente da República.

Lançamento de "Imagens da Palavra"

Do programa da cerimónia, e para além do lançamento de "Imagens da Palavra" (um exemplar, autografado pelos autores, foi entregue, pelo diretor do Museu e Bibliotecas do Porto, ao presidente da Câmara), Jorge Sobrado moderou uma conversa que contou com a participação da diretora regional de Cultura do Norte, Laura Castro, do professor, crítico de arte e ensaísta Bernardo Pinto de Almeida, e do professor e investigador Henrique Manuel Pereira, que coordenou a investigação da obra.

Este volume conta com 27 poemas de Guerra Junqueiro, harmonizados com 18 ilustrações de António Carneiro (desenho) e seis da autoria de Teixeira Lopes, entre ilustrações de poemas e separadores de edição (escultura, baixo baixo-relevo e desenho). A obra inclui ainda uma iluminura da autoria de Roque Gameiro e um desenho de Eduardo de Moura.

"Pode ver-se esta publicação como o simples e delicado gatilho de uma experiência de revisitação da personalidade desconcertante de Junqueiro e de reavivamento da sua sensibilidade, ao mesmo tempo simples e complexa, inconformada e religiosa, telúrica e transcendental, antiga e intemporal", sublinhou o diretor do Museu e Bibliotecas do Porto.

"Se o legado de Guerra Junqueiro resistirá à erosão exercida pelo curso do tempo e evidenciará essa persistência contra o esquecimento a que hoje parece votado é questão que nos interessa e que, de algum modo, justifica os esforços postos no centenário da morte do autor, que se assinala (soa cruel dizer-se 'comemora') neste ano de 2023. Ora, o conhecimento deste património não nos poderia ser indiferente, a vários títulos, tendo daí resultado a presente publicação inédita, que desde a primeira hora contou com o apoio do presidente da Câmara Municipal do Porto, a competente investigação de Henrique Manuel Pereira e a programação e direção editorial do Museu e das Bibliotecas do Porto", acrescentou Jorge Sobrado.

Nova exposição de longa duração

A abertura da sessão evocativa coube a António Salgado (baixo barítono) e Joana Moreira (piano), com a interpretação das obras musicais "Canção Perdida", de António Fragoso (1897-1918), e "Regresso ao Lar", de António Viana (1868-1952). No intermezzo musical escutou-se "Quatrain", de Cláudio Carneiro (1895-1963), por Sofia Serra (soprano) e Joana Moreira (piano), e "Moleirinha", de Tomás Borba (1870-1958), pelo Bando dos Gambozinos, com direção de Suzana Ralha.

A cerimónia encerrou ao som de "Oração à Luz", obra inédita que toma o poema homónimo de Guerra Junqueiro como ponto de partida, em resposta a uma encomenda realizada pelo Museu do Porto ao compositor Alfredo Teixeira. A interpretação coube a Leonor Barbosa e Melo (soprano) e Joana Moreira (piano).

O programa de atividades desenhado pelo Museu do Porto para assinalar o centenário da morte de Guerra Junqueiro prolonga-se por um ano, com propostas para valorizar o singular legado cultural, artístico e cívico do poeta, aproximando novos públicos da sua obra. Um dos destaques vai para a nova exposição de longa duração a inaugurar no Museu Guerra Junqueiro, em setembro, numa articulação entre casa, coleção e personalidade, para valorizar, renovar e promover este espaço. Este trabalho, com coordenação geral de Jorge Sobrado, conta com a curadoria científica de Gonçalo Vasconcelos e Sousa e Henrique Manuel Pereira e museografia de Luís Tavares Pereira.

A programação completa das comemorações do centenário está disponível aqui.